Cálculo do Valor Intrínseco
Troca de fase
Já comentamos na última seção as variações visíveis no registro histórico da Vale. De 1993 a 1996 o lucro cresce a 18% aa a partir de uma base pequena; de 1997 a 2007 a expansão acelera para 29% aa! As taxas de expansão da receita para os mesmos períodos são, respectivamente, 12% aa e 19% aa.
Temos dados sobre vendas para os últimos 18 anos. Ao longo do período inteiro a receita líquida cresce a 16% aa, com 10,5% aa na primeira metade e 22% aa na segunda.
Suspeitamos de todas essas taxas de crescimento como base para prever o futuro. Estudo dos preços históricos sugere que são fruto de uma fase positiva de um ciclo cuja fase negativa veremos nos próximos anos. Observamos, por exemplo, que a venda física de minério de ferro, o produto principal da empresa, cresceu a 10,5% aa nos últimos 10 anos, bem abaixo do crescimento da receita financeira. Isto é: há evidência de um forte aumento de preço ao longo do período.
Forte expansão não se repetirá
Mesmo partindo de preços e volumes menores em 2009, não podemos contar, nos próximos anos, com a repetição da forte expansão de receita observada na última década. Mas há um fator atenuante: a maxidesvalorização do real nos últimos meses. No fim de setembro de 2007 cerca de 93% da receita bruta consolidada (e 52% dos custos) estavam vinculados a moedas estrangeiras. Observamos ainda que o fato dos negócios do setor serem regidos por contratos de longo prazo retardará um pouco o pleno impacto da retração de demanda.
Lucro base problemático
Se prever o crescimento futuro do lucro é complicado, definir um lucro base, outra premissa necessária para estimar o preço intrínseco da ação da Vale, usando o Método de Fluxo de Caixa Descontado, é ainda mais problemático.
Prevemos que a Vale enfrentará forte retração de atividade em 2009. Assim não adianta usar o lucro estimado de 2008 como lucro base. Resolvemos projetar um lucro para 2009 e depois dividí-lo por 1 + taxa de crescimento acelerado para retrocedê-lo a 2008. Para facilitar a comparação da projeção com dados históricos expressamos o lucro em termos do último patrimônio líquido disponível - o de 9/08.
Simulações
Como não temos muito idéia da dimensão do lucro base inicial, nem do tamanho da taxa de crescimento do lucro ao longo da próxima década, recorremos a uma técnica que facilita o estudo de cenários alternativos: a Análise de Sensibilidade. O procedimento permite fazer uma série de simulações usando faixas de premissas diferentes.
O eixo vertical da Tabela de Sensibilidade abaixo apresenta alternativas para o lucro de 2009 em termos de porcentagens do último patrimônio líquido disponível (30/09/08). Para transformar esses dados em lucros base, referenciados a 2008, dividimos os mesmos por 1 + a taxa de crescimento acelerado.
O eixo horizontal da Tabela exibe alternativas para o crescimento de lucro dos próximos 10 anos. Adotamos 40% como payout e 8,0% como taxa de desconto. Nossa taxa de crescimento perpétuo a partir do décimo primeiro anos é 5%.
Facilita a análise da tabela saber que o lucro líquido anualizado dos primeiros 9 meses de 2008, R$ 25.679MM, representa 27% do último patrimônio líquido.
Análise de Sensibilidade
(Margem de Segurança - %)
Crescimento de 10 Anos
5% 7% 9% 11%
--------------------------------
5% - - -42 -33
7% -43 -30 -19 -6
9% -26 -10 4 20
Lucro
2009 11% -10 10 27 47
(% PL --
9/08)* 13% 7 30 51 74
-- --
15% 23 50 74 100
-- -- ---
17% 40 70 97 127
-- -- ---
--------------------------------
*Lucro base = lucro 2009 retroagido 1 ano
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Margem atraente + premissas conservadoras
Estamos à procura de uma margem atraente obtida com premissas claramente conservadoras.
Observando a tabela, as duas combinações mais conservadoras que oferecem a margem de segurança mínima procurada de cerca de 50% são: lucro base de 11% do patrimônio líquido e crescimento de 11% aa; ou lucro base de 13% do patrimônio líquido e crescimento de 9% aa.
Retornos razoáveis?
Retornos sobre patrimônio líquido de 11-13% são razoáveis para uma fase de baixa do cíclo econômico? Em termos da média de 4,5% registrado de 1990 a 1997 certamente não são. Mas vamos aceitar que os retornos desse período são prejudicados pelo controle estatal. O menor retorno observado fora do período de controle estatal é de 10,6% em 2008. Na falta de outras informações podemos dizer que os lucros base da duas combinações não são particularmente conservadores.
Taxas realistas?
As taxas de crescimento das duas combinações são de 9% e 11%. Como avaliar se são realistas como estimativas para a próxima década?
Começamos com o comportamento histórico do preço de minério de ferro. Dados mostram que houve queda gradual no preço real do minério de 1980 até 2002. A partir de 2003 houve forte aumento, coincidindo com o clímax da fase positiva do último ciclo econômico.
De 1994 até 2002 o lucro da Vale cresceu em torno de 20% aa e sua receita a 10% aa. Como o retorno sobre patrimônio estava abaixo de 5% no início do período é claro que a forte expansão do lucro era insustentável no longo prazo, sendo fruto das forças temporárias da fase positiva do ciclo.
Não prevemos uma expansão com o mesmo vigor a partir de 2010: além do provável prolongamento dos efeitos da série crise atual, o retorno previsto para 2009, o início do período, não é particularmente baixo (10-12%). Assim damos mais importância ao crescimento de receita de 10% aa como referência para uma projeção do crescimento do lucros nos próximos 10 anos.
Nesta base, mais uma vez, não há evidência que as taxas de crescimento de lucro de 9% e 11% são especialmente conservadoras.
Premissas conservadoras # margem atraente
A combinação que preferimos, por suas características claramente conservadoras, é do lucro base de 11% e crescimento de 7%. Esse cenário, que implica em um preço intrínseco de R$ 30,80, oferece a margem de somente 10% (ou desconto de 9%), um nível sem qualquer atrativo.
Na Tabela de Premissas e Resultados detalhamos os três cenários discutidos acima:
Tabela de Premissas e Resultados
A B C
Taxa de Desconto: 8,0% 8,0% 8,0%
Lucro Base (R$MM): 9469 11396 9823
Taxa de Crescimento 10 anos: 11% 9% 7%
Taxa de Crescimento Perpétuo: 5% 5% 5%
Payout: 40% 40% 40%
Valor de Mercado da Empresa (R$MM): 147847 147847 147847
Valor Intrínseco da Empresa (R$MM): 217378 222628 162516
Preço Atual (R$): 28,01 28,01 28,01
Preço Intrínseco (R$): 41,18 42,18 30,79
Margem de Segurança: 47% 51% 10%
Desconto: 32% 34% 9%
A = Lucro Base de 13% do PL e Crescimento de 11% aa
B = Lucro Base de 15% do PL e Crescimento de 9% aa
C = Lucro Base de 11% do PL e Crescimento de 7% aa - cenário preferido
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Discussão
Recessão japonesa?
A Análise de Sensibilidade mostra que os dois cenários mais viáveis oferecendo uma margem de segurança acima de 50% não são particularmente conservadores.
É preciso enfatizar, nossa grande ignorância do que temos pela frente. Há um processo preocupante em curso onde as previsões do fim da recessão se projetam cada vez mais para a frente. Há economistas de peso que não acham insignificantes as chances de uma recessão do tipo que assolou o Japão na última década, caracterizado pela persistência da estagnação econômica durante vários anos. Nessas condições são as ações cíclicas, como as das empresas mineradoras, que sofrem mais.
Perante esse risco uma margem de segurança de 50% certamente não é excessiva.
Desconto de 9-30%
Nosso cenário preferido oferece um desconto de 10%. O fato desta cifra estar menor que o desconto de um máximo de 27% apontado pela Análise de Múltiplos é um possível indício de excesso de conservadorismo. De qualquer forma, dado ao nível de incerteza envolvido, consideramos os dois resultados da mesma ordem de grandeza.
Para obter uma Margem de Segurança de 50% com o cenário preferido o preço da ação da Vale teria que cair para R$ 20,53, 27% abaixo do preço de mercado atual. Consideramos uma queda dessa magnitude nos próximos meses factível.
O mais surpreendente de nossa análise é o fato que estamos obrigados a reconhecer que houve bastante racionalidade na forte queda da ação da Vale desde seu pico em 2008; se houve pânico em certas horas foi por boa razão!
Outra observação parece pertinente. Imaginamos que a mesma cautela inspirada por nossa análise da Vale deve se aplicar a outras empresas cíclicas, especialmente as que fazem parte de setores relacionados com o minério de ferro, como o siderúrgico e automobilístico.
Conclusões e Recomendação
Com a crise econômica global se intensificando é evidente que o lucro da Vale, após apresentar um impressionante retorno médio sobre patrimônio líquido de 16,8% durante 18 anos, atingiu um pico cíclico em 2008. Como exibe retornos tanto de 4,5% quanto de 34% é extremamente difícil usar o registro histórico como base para estabelecer projeções para a próxima década.
Assim, efetuamos uma Análise de Sensibilidade para examinar faixas de premissas para o lucro base e a taxa de crescimento de lucro. Concluímos que nenhum cenário suficientemente conservador oferece a margem de segurança mínima procurada de 50%.
Para obter a margem desejada com o cenário preferido será necessário uma queda no preço da ação da Vale para cerca de R$ 20,50, 27% abaixo do preço de mercado atual e próximo do ponto mais baixo atingido em novembro de 2008. Dado a deterioração das expectativas é possível vermos preços neste nível nos próximos meses.
Neste preço recomendamos a compra do papel como veículo para tirar proveito da reversão nas expectativas econômicas esperadas para os próximos semestres. Como a data dessa mudança é bastante incerta consideramos o investimento na Vale de longo prazo (3-5 anos).
Como fez uma importante oferta de ações em julho de 2008 a preço bem acima do atual, a Vale se encontra bem posicionada financeiramente para enfrentar a crise - e até para tirar proveito dela.
Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação não mantém nenhuma posição nas ações da Vale.
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Vale do Rio Doce - parte 1
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Últimas notícias:
Revisão 1 (19/2/09): Alterações advindas do processo usado para retroagir o "lucro base" de 2009 para 2008, que estava incorreto.
No dia 10/07/09, face a queda de juros, reduzimos a taxa de desconto dos 8% adotados na análise para 7,1%. A nova taxa é 0,5 pp acima do retorno da NTN-B 2020, nossa base de referência, de 6,6%. Com somente esta mudança nas premissas a compra da ação da Vale se torna atraente. O novo cálculo produz em um preço intrínsico de R$ 47,10, 68% acima do preço de mercado de R$ 28,05 nesse mesmo dia 10/07.
Revisão 2 (11/12/09): Mantemos a taxa de desconto de 7,1% da Revisão 1 e aumentamos o lucro base do cenário preferido para R$ 10.161MM, o lucro efetivo dos primeiros 9 meses de 2009 anualizado. A mudança resulta em preço intrínseco de R$ 46,40, valor parecido com o obtido na Revisão 1, e somente 8,7% acima do preço do mercado de 11/12/09, de R$ 42,69.
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