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Vale do Rio Doce: a incerteza da ciclicidade
Código: VALE5 Data Base: 30/01/09 Preço da ação ON: R$ 28,01 Número de ações: 5278,38 MM Ibovespa: 39300
Último Resultado: 9 meses de 2008
Com a crise econômica global se intensificando fica claro que o lucro da Vale, após apresentar um impressionante retorno médio sobre patrimônio líquido de 16,8% durante 18 anos, atingiu um pico cíclico em 2008.
Entre os cenários possíveis de desempenho futuro examinados, nenhum ofereceu a margem de segurança mínima procurada de 50%. Para obter o desconto desejado, com um cenário claramente conservador, será necessário que o preço da ação da Vale caia para cerca de R$ 20,50, 27% abaixo do preço de mercado atual e próximo do ponto mais baixo atingido em novembro de 2008.
Neste preço recomendamos a compra do papel como veículo para tirar proveito da reversão nas expectativas econômicas esperadas para os próximos semestres. Como a data dessa mudança é bastante incerta consideramos que investimento na Vale é uma operação de longo prazo (3-5 anos).
Após fazer grande oferta de ações em julho de 2008, a preço bem acima do atual, a Vale se encontra bem posicionada financeiramente para enfrentar a crise.
Introdução
Momento propício?
A última vez que analisamos, e recomendamos, a Vale foi em 2001. Desde lá, embora reconhecendo suas grandes qualidades, perdemos as poucas claras oportunidades que haviam de nos posicionar na empresa. Agora, com a queda de 50% no preço da ação desde seu pico de 2008, e na esteira de uma maxidesvalorização do real que beneficia as exportações da empresa, parece que estamos perante novo momento propício.
Value Investing menos útil
Vamos investigar, sem deixar de reconhecer que a análise de uma ação cíclica, sempre problemática para o value investing, é ainda mais complicada na situação atual de crise. Como diz "Graham and Dodd's Security Analysis":
"A técnica (de value investing) ... tem mais utilidade quando aplicada a um negócio de caráter inerentemente estável do que a um que é sujeito a grande variações, e também quando é empregada em condições gerais razoavelmente normais do que em tempos de grande incerteza e mudança radical".
É essa a nossa desculpa quando o raciocínio se tornar tortuoso no trabalho que segue.
Tabela de Dados
Últimos Resultados
Ano de 2007
Known unknowns
De antemão, avisamos o leitor que nossa análise dos últimos resultados, se ela, de fato, aumenta nosso conhecimento da Vale, faz isso somente no sentido de esclarecer o que NÃO sabemos. Ela simplesmente identifica o que o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld chamou, notoriamente, de "known unknowns" (desconhecidos conhecidos)!
Euforia
O ano de 2007 foi uma época de euforia, com a receita bruta consolidada subindo 42,0% no ano (e mais que triplicando desde 2003). Parte importante do aumento se deve à aquisição da Inco, produtora de níquel, que se tornou subsidiária integral da Vale em janeiro de 2007. Outra parte significativa se deve ao desempenho do minério de ferro, produto principal da empresa. Embora as vendas físicas deste material tenham expandido 7%, muito mais impressionante foi a alta de 65% no preço pago por siderúrgicas chinesas e europeias, os clientes principais da Vale. Também notável foi a expansão de 77% nas vendas de cobre.
Com a consolidação dos resultados da Inco, a participação de minerais não ferrosos na renda bruta consolidada da empresa praticamente equivale a de minerais ferrosos. Em termos de desempenho físico, no ano a Vale vendeu 291MMt
de minério de ferro e pelotas, 268Mt de níquel refinado, 300Mt de cobre, 3,3MMt de alumina, 562Mt de alumínio e 2,5Mt de cobalto.
Fio enrolado
O fio que liga a alta de 42% na receita bruta à alta ainda maior de 49% no lucro líquido é fácil de descrever mas difícil de entender.
O aumento de 44,9% no custo de vendas supera a subida da receita bruta. No entanto, o excesso é praticamente neutralizado pelo crescimento de somente 11,4% nas deduções da receita bruta.
Por sua vez, as despesas operacionais, dominadas por maiores receitas financeiras e forte aumento no valor negativo da equivalência patrimonial, de tamanho semelhante, subiram somente 17,2%. Este resultado, ajudado pela receita não operacional advinda, principalmente, da venda de ativos nas empresas Usiminas, Log-In e Lion Ore, reduziu o impacto da provisão de imposto de renda, que dobrou.
Notas Não Explicativas
Não há clara explicação da forte alta nos impostos que se originam, principalmente, de "Resultados de empresas no exterior tributados à alíquotas diferentes a da controladora". São necessários, também, mais detalhes sobre o resultado financeiro, metade do qual deriva de "outras variações monetárias e cambiais". Finalmente, há a questão da equivalência patrimonial na demonstração consolidada que acreditamos surgir também de variações cambiais.
No fim, temos a impressão que o lucro líquido, embora inflado por fatores não recorrentes (variações monetárias e cambiais, venda de ativos e imposto de renda) basicamente reflete a desempenho operacional da empresa no período.
Nove Meses de 2008
Caulim dourado?
A receita bruta consolidada aumentou 7,8% nos primeiros 9 meses de 2008. Infelizmente, não conseguimos analisar o detalhamento do aumento porque o quadro 9.1.1 no item "Comentários Sobre o Resultado das Operações do Consolidado" do Comentário do Desempenho Consolidado contém pelo menos um erro importante (vendas de R$ 16bn de caulim em 2006!)
Imposto de renda cai pela metade?
Mas, como o aumento de 7,8% na receita bruta se traduz, no fim da Demonstração, em um salto de 23,5% no lucro líquido, suspeitamos que há fatores extraordinários agindo. Como houve aumentos de 11,2% na soma do custo de vendas e deduções da receita bruta, e de 28% no total das despesas operacionais, despesas não operacionais e participações, é óbvio que o efeito chave é a queda de 54,7% na provisão para imposto de renda com respeito dos mesmos 9 meses de 2007.
O efeito, que parece uma reversão da situação em 2007, vem de novo do item "Resultados de empresas no exterior tributados à alíquotas diferentes a da controladora". No Comentário que acompanha a demonstração a administração da Vale comenta simplesmente que a variação no imposto de renda é: "decorrência principalmente da redução do lucro tributável"!
Observamos que o imposto de renda representa 14% do resultado antes da tributação nos 9 meses de 2008, contra 29% nos 9 meses de 2007.
Recorrente ou não?
Diferente da análise da demonstração de 2007 parece que o resultado dos 9 meses de 2008 é bastante influenciado por um fator extraordinário. Como não há explicação do mecanismo envolvido não sabemos se é recorrente ou não.
Financiamento a preço barato
Um evento importante em 2008 foi a oferta de ações em julho. A Demonstração dos Fluxos de Caixa mostra uma entrada de
R$ 19BI. É provável que a subscrição visava financiar uma aquisição: houve, por exemplo, tentativa de comprar a mineradora Xtrata no início do ano. No evento não houve nenhuma operação e a empresa ficou com uma posição financeira folgada exatamente quando as torneiras de financiamento estavam fechando. No fim de setembro a Vale apresentou dívida líquida/patrimônio líquido de 10,3% e liquidez corrente de 3,2x.
Além disso, como a subscrição ocorreu antes da maior parte da queda da ação, a empresa captou os fundos a custo razoavelmente baixo. O atual preço de mercado de suas ações é quase 30% abaixo do preço da subscrição (R$ 39,90).
Comentário sobre Últimos Resultados
Desleixo
É nossa impressão que somente um analista que se dedica à empresa terá sucesso em entender todos os aspectos dos demonstrativos financeiros da Vale, incluindo alguns detalhes importantes. Inevitávelmente uma empresa exportadora da complexidade da Vale exige bastante tempo de estudo, especialmente em épocas de fortes variações cambiais.
Mesmo assim é nossa opinião que as Notas Explicativas, Relatórios de Administração e Comentários que acompanham os balanços deveriam dar mais atenção às necessidades tanto dos analistas quanto dos investidores pessoas físicas. Fica evidente que entendimento dos demonstrativos analisados acima depende, criticamente, de uma explicação mais detalhada das grandes variações na provisão para imposto de renda.
Se nossa análise dos últimos resultados da Vale não foi plenamente esclarecedora, ela pelo menos nos ajudou a perceber as limitações de nosso entendimento da empresa. Ela também revelou um certo desleixo - surpreendente no caso de uma empresa da primeira linha - na preparação dos relatórios para a CVM e a Bovespa. Além do erro importante encontrado no Comentário de Desempenho dos 9 meses de 2008, ainda encontramos sinais das correções efetuadas nas Notas Explicativas anexas ao Relatório de Andamento de 2007.
Análise de Múltiplos
Alerta
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação e das variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.
Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2008. Por razões de espaço exibimos somente 10 anos da Tabela, que vai de 1994 a 2009 (16 anos).
Trajetórias superpostas
Embora os registros antigos sejam parciais e distorcidos pela alta inflação, dispomos de 18 anos de dados da Vale. A média do retorno sobre patrimônio líquido deste período é 16,8%, um desempenho excepcional. Podemos dividir o período em três fases: de 1990 a 1996 o retorno se mantém estável, com média de 4,5%; de 1997 (o ano da privatização) a 2005, partindo de 8%, há aumento progressivo do retorno até alcançar 30,2% em 2003; a partir de 2003 há certa estabilização, com retorno médio de 2003 a 2008 de 34%.
Nesse percurso crescente é provável que há duas trajetórias superpostas: uma melhora progressiva de rentabilidade a partir da privatização; e uma fase cíclica partindo do fundo do ciclo, próximo do início do período, e culminando no pico em 2005. A superposição dificulta a análise. É provável, por exemplo, que o retorno na fase negativa do ciclo teria sido maior se ocorresse sob administração da iniciativa privada.
Forte queda esperada em volumes e preços
Com a crise financeira contaminando a economia real, esperamos forte queda em volumes vendidos e preços em 2009. Entretanto, o impacto sobre a receita e o lucro da empresa exportadora será atenuado pela desvalorização do real. Mesmo assim, qualquer estimativa do tamanho da queda do lucro em 2009 é chute. Nosso único balizamento é o registro histórico da empresa - que, como já vimos, é difícil de interpretar.
Se o retorno cair para 10%?
Vamos chutar que o retorno sobre patrimônio líquido em 2009 caia para 10%, menos de um terço do retorno dos últimos dois anos e próximo do mínimo registrado pela Vale desde a privatização em 1997. Nesse caso o P/L para 2009 de 15,5x fica acima do P/L médio dos últimos 15 anos de 12,4x. Infelizmente, isso não significa muita coisa: pode simplesmente indicar que se espera uma melhora nos resultados em 2010.
Mais útil é observar que o preço/patrimônio líquido atual de 155% é 27% abaixo de seu médio histórico de 213%. É um indício de desconto. Adicionalmente, é razoável imaginar que a rentabilidade média da empresa melhorou sob o controle da iniciativa privada, e que isso, por sua vez, empurrou para cima o preço/patrimônio líquido médio. Se só considerarmos os anos que seguiram 2007, o ano da privatização, o preço/patrimônio líquido médio sobre para 282%, levando o desconto representado pelo indicador atual para 45%.
E o ciclo?
A análise não considerou ainda os fatores câmbio e ciclicidade: enquanto a queda do real terá um efeito positivo sobre resultados futuros, a questão do ciclo é preocupante.
Há pouca dúvida que o preço/patrimônio médio pós-privatização reflete a fase positiva do ciclo do preço de minério de ferro. Assim, é improvável que terá relevância para a próxima década quando o mundo estaria se recuperando de uma forte recessão.
Então vamos imaginar um desconto atual, com relação à media do preço/patrimônio líquido histórico, de 27%, no máximo.
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