RAIO-X DA EMPRESA
Porto Seguro - parte 2

Análise de Múltiplos

Alerta de sempre

Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação e das variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.

Não se deve atribuir importância excessiva às previsões de lucro para 2006 e 2007, feita por computador. Por razões de espaço exibimos somente 10 anos da Tabela, que vai de 1997 a 2007 (11 anos).

Retorno médio de 18,5%

Começando com os indicadores tradicionais, observamos que a Porto Seguro apresenta retorno de patrimônio líquido (do fim do ano) médio de 18,5% nos últimos 9 anos - uma cifra boa. A Itaúsa, por exemplo, teve um retorno de 21,7% no mesmo período. É notável que o retorno da Porto Seguro estimado para 2006, de 30%, supera em muito todos seus retornos históricos.

Há a sugestão aqui de algum efeito não recorrente em operação (como um aumento atípico de tarifas). E essa estimativa não considera o acréscimo gerado pela reversão da provisão de R$ 69MM ocorrida após o fechamento do terceiro trimestre (ver comentários em Últimos Resultados - Evento Subseqüente).

Ação encareceu ...

Só dispomos de três anos de indicadores de mercado (o resultado de 2006 ainda não foi divulgado). Observamos que enquanto o retorno sobre patrimônio líquido estimado para 2007 está 45% acima do retorno médio do triênio DE 19,9%, o preço/patrimônio líquido atual de 367% é o dobro da média desse período de 182%, e o preço/lucro atual de 12,6x é 35% acima de sua média histórica de 9,3x.

O problema aqui é que, tomando como referência o histórico da empresa, não temos nenhuma razão para acreditar que o nível de retorno estimado para 2006 e 2007, de 29-30%, representa um novo patamar de rentabilidade. Em outras palavras: o preço/lucro para 2007, baseado em previsão, pode ser alto demais - e a ação pode ser mais cara que parece.

De qualquer forma, há fortes indícios aqui que a ação da Porto Seguro, em termos de seus indicadores, é bem mais cara que em anos passados.

... Mas não apresenta sobrevalorização

Do setor de seguros da bolsa, além da Porto Seguro, só temos dados para a Sul América (o grupo Bradesco Seguros e Previdência não está listado). Infelizmente esses dados confundem mais do que esclarecem, revelando que a ação da empresa subiu mais de 600% nos últimos meses! Não é uma base confiável para fazer comparações de índices de mercado.

Comparando os indicadores da Porto Seguro com o mercado como um todo, verificamos um prêmio de 38% com respeito ao preço/patrimônio líquido médio de 265%, e um desconto de 17% em relação ao preço/lucro médio. Dada a qualidade da empresa, e dando mais credibilidade ao primeiro indicador, nos parece que a ação, nessa comparação, está próxima de seu preço correto.

Resumindo os resultados da análise dos indicadores de mercado, podemos dizer que, embora a ação da Porto Seguro esteja cara comparada aos níveis dos últimos anos, não há clara evidência de sobrevalorização em termos do contexto atual da bolsa.

Comparações sinistras?

Agora enfocamos os indicadores que são específicos ao setor de seguros (com a exceção da Líqüidez Corrente). Na tabela abaixo comparamos os indicadores da Porto Seguros com os de seus concorrentes principais: Bradesco Seguros e Previdência e Sul América.

Francamente, não sabemos até onde os dados da tabela ajudam. Por um lado, a importância, entre os dados consolidados da Bradesco Seguros e Prev, de operações de "capitalização" - uma área que tem, em sua essência, pouco a ver com seguros - distorce a comparação. Por outro lado, como já vimos, a Sul América atravessa um período absolutamente atípico.

Comparação de Índices Globais



                           Porto Seguro      Bradesco SP    Sul América Seg 
                                                                            
 Ano                     2004  2005  9M06    2004  2005    2004  2005  9M06 
 -------------------------------------------------------------------------- 
 Índice Sinistralidade   59,8  59,2  56,1    91,0  89,8    77,8  75,1  64,3 
 Índice Comercialização  21,1  20,5  19,9     9,4   7,7    10,4  11,0  20,9 
 Índice Despesas         44,2  42,5  40,4    21,4  17,7    25,7  24,6  43,5 
 Índice Combinado       104,0 101,7  96,5   112,4 107,5   103,5  99,7 107,8 
 Índice Res. Financeiro  13,7  14,3  13,4    20,2  22,3     5,4   3,0   7,9 
                                                                           
 Líqüidez Corrente       1,55  1,62  1,66    1,36  1,43    1,24  1,31  0,94 
                                                                           
 Margem de Solvência     2,86  2,84     -    4,37  2,36    6,07  5,53     - 
 Alavancagem Líquida     5,46  5,16     -   12,62  7,78    9,29  8,65     - 

Mix de segmentos ofusca

É importante observar que os indicadores de análise variam de um segmento de seguros para outro e cada empresa possui um mix diferente de segmentos. Assim, os índices globais de cada empresa, além de refletir o desempenho da empresa em geral, também refletem seu mix específico de segmentos.

Se compararmos indicadores dos mesmos segmentos este problema seria evitado. Mas há, em alguns casos, dificuldade em segregar os dados. Por outro lado, uma comparação dos indicadores globais não é inútil porque mostra a vantagem, ou desvantagem, das empresas terem se concentrado em determinados segmentos.

Campeã de sinistralidade

O Índice de Sinistralidade (Sinistros Retidos / Prêmios Ganhos) mede as indenizações pagas como porcentagem dos prêmios ganhos. É uma medida da perícia da seguradora em reduzir o risco associado com suas atividades operacionais. Quanto menor o índice melhor. Embora a Sul América tenha melhorado seu desempenho em 2006, a Porto Seguro, que se concentra no segmento de seguro automóvel, está na frente de seus concorrentes.

O Índice de Comercialização (Despesas de Comercialização / Prêmios Ganhos) compara as despesas associadas com a venda de seguros, como a publicidade e as comissões pagas aos corretores de seguros, com os prêmios ganhos. Embora o Índice da Porto Seguro esteja significativamente mais alto de seus rivais em 2004 e 2005, refletindo o grande peso do esforço de vendas da empresa, a Sul América chegou no mesmo patamar em 2006.

Lanterninha das despesas

O Índice de Despesas (Despesas de Comercialização e Administração mais Tributos de Seguros / Prêmios Ganhos) acrescenta às despesas de comercialização as despesas de administração. De novo a Porto Seguro, em 2004 e 2005, possui a estrutura mais pesada. Em 2006, no entanto, a Sul América atingiu o mesmo patamar.

O Índice Combinado (Sinistralidade + Índice de Comercialização + Índice de Administração) junta sinistros retidos, despesas de comercialização e despesas de administração, comparando o resultado com os prêmios ganhos. O Índice é a soma dos Índices de Sinistralidade e de Despesas.

Quanto menor for o Índice, melhor a eficiência da seguradora. Se o Índice ultrapassar 100% isso significa que as despesas operacionais associadas com seguros são maiores que os prêmios ganhos e não há lucro operacional. Levando em conta que as despesas administrativas da Bradesco Seg e Prev são infladas por suas atividades de capitalização, podemos dizer que as três empresas apresentam indicadores próximos a 100% em 2004 e 2005.

Em outras palavras, as empresas têm dependido das receitas financeiras geradas por suas aplicações no mercado financeiro para obter lucros nestes períodos. Em 2006, no entanto houve uma mudança: enquanto a Porto Seguro conseguiu reduzir seu índice para abaixo de 100%, o índice da Sul América, inflado pelos maiores custos, subiu significativamente.

Maiores despesas = menor sinistralidade?

Existe uma ligação entre os Índices Combinados e de Sinistralidade? Uma hipótese seria que a Porto Seguro, através de maior enfoque nas áreas comerciais e administrativas (oferecendo, inclusive, uma série de benefícios complementares), tem conseguido reduzir sua sinistralidade. Por enquanto a Sul América, após adotar uma política semelhante em 2006, não tem alcançado o mesmo sucesso.

O Índice do Resultado Financeiro (Receita Financeira / Prêmios Ganhos) mede, como porcentagem dos prêmios ganhos, a contribuição do resultado financeiro aos resultados da empresa. Embora abaixo dos índices da Bradesco Seg e Prev, que são inflados pelas operações de capitalização, os índices da Porto Seguros estão 2-3 vezes maiores que os da Sul América.

Primeira em liqüidez e solvência

Passando para a Líqüidez Corrente das empresas, verificamos que a Porto Seguro apresenta a posição mais favorável.

E no final temos os indicadores de solvência. A Margem de Solvência, que compara os prêmios retidos com o patrimônio líquido (ou com o ativo líquido no índice definido pela regulador SUSEP) da empresa, é a margem disponível para garantir os compromissos com seus segurados. Pode ser observado que, de novo, a Porto Seguro está melhor posicionada.

A Alavancagem Líquida é semelhante, mas adiciona o passivo circulante aos prêmios retidos. Mais uma vez a Porto Seguro sai significativamente melhor na comparação.

Forte em seu negócio principal

Para complementar os dados acima, acrescentamos um estudo tirado do site de Castiglione Business para o primeiro semestre de 2005 e 2006. Usando os dados da SUSEP o estudo enfoca o segmento automóvel - o mais importante para a Porto Seguro.

Comparação dos Índices do Segmento Auto



                          Porto Seguro    Bradesco   Sul América Seg  
                              1 Sem         1 Sem         1 Sem       
  Ano                      2005  2006    2005  2006    2005  2006     
  ------------------------------------------------------------------  
  Índice Sinistralidade    61,5  52,3    74,3  73,8    69,9  63,0     
  Índice Comercialização   23,2  22,2    17,8  18,4    17,8  18,4     

Embora as diferenças estejam menores - como é de esperar com um único segmento sob consideração - mais uma vez a Porto Seguro sai em primeiro na Sinistralidade e em último no Índice de Comercialização.

Cálculo do Valor Intrínseco

Lucro cresce a 13% aa ou 7,5% aa?

Voltando para a Tabela de Dados, verificamos, corrigindo as pontas da série, que o lucro cresceu a uma taxa real de 13% aa durante os últimos 9 anos e a receita líquida a pouco mais de 9% aa. As taxas são infladas por valores atipicamente baixos no início da série e atipicamente altos no fim da série. Se excluirmos os dados de 1997 e 2005 da série o crescimento de lucro cai para 7,5% aa. E se excluirmos somente o dado de 1997 o crescimento cai para 10,0% aa. É importante notar que as receitas não incluem uma receita importante no caso de uma seguradora: o resultado financeiro.

Avanço aos arrancos

Olhando as séries de dados, verificamos que o crescimento não é muito suave. O lucro ficou praticamente estagnado nos períodos 1998-2001 e 2002-2004 enquanto a receita se estabilizou de 2000 a 2003. Não sabemos como explicar o avanço aos arrancos. Sabemos que o negócio de seguros - em um mercado livre - apresenta um comportamento cíclico mas isso não parece a explicação dos movimentos observados.

Cenário mais provável confirma preço de mercado

Inicialmente, vamos definir o lucro base para nossa estimativa do preço intrínseco. Como não temos claro indício de sazonalidade vamos simplesmente anualizar o resultado de 9 meses. Dá R$ 374 MM (ignorando o valor extraordinário gerado pela reversão da previsão no quarto trimestre).

Na primeira rodada do Método de Fluxo de Caixa - Dividendos, vamos usar premissas relativamente conservadoras. Crescimento de lucro de 9% durante 10 anos, caindo para 5% a partir do décimo primeiro ano. Payout de 33% e uma taxa de desconto de 8,5%.

Obtemos um preço intrínseco de R$ 66,50, praticamente igual ao preço atual de mercado de R$ 65,76. E note que não levamos em conta a possibilidade do crescimento do lucro ser impactado por eventuais efeitos cíclicos negativos. Essas premissas (a coluna A da Tabela de Premissas e Resultados) representam nosso cenário mais provável.

Cenário otimista sem margem

Agora vamos simular o resultado de premissas ousadas, aumentando o crescimento de lucro de 10 anos para 10,0% - o dobro do crescimento histórico do setor - e reduzindo a taxa de desconto para 8,0%.

Obtemos um preço intrínseco de R$ 85,00, 29% acima do preço de mercado. Em outras palavras, mesmo utilizando premissas muito favoráveis (coluna B da Tabela), não temos uma margem de segurança que consideramos atraente para um investidor de longo prazo.

Premissas e Resultados


                                           A        B              
                   Taxa de Desconto:      8.5%     8.0%            
                  Lucro Base (R$MM):       374      374            
        Taxa de Crescimento 10 anos:      9.0%    10.0%            
       Taxa de Crescimento Perpetua:      5.0%     5.0%            
                             Payout:       33%      33%            
                                                                   
 Valor de Mercado da Empresa (R$MM):      5056     5056            
 Valor Intrinseco da Empresa (R$MM):      5111     6535            
                   Preco Atual (R$):     65.76    65.76            
                   Preco Justo (R$):     64.50    85.00            
                Margem de Seguranca:        1%      29%            
                           Desconto:        1%      23%            
                                                                   
     A - Cenário mais provável    B - Cenário otimista             

Discussão

Procurada: margem de 40%

Não temos muitas dúvidas sobre o resultado da análise da Porto Seguro: tanto a Análise de Múltiplos quanto o Cálculo de Valor Intrínseco indicam que o preço atual da ação está próxima de seu preço intrínseco.

Pensando no futuro, qual é a margem de segurança que precisamos para uma empresa como a Porto Seguro. Vemos três riscos principais para um investidor de longo prazo: o desconhecimento dos fatores que determinam o "avanço aos arrancos" da empresa; o possível impacto de efeitos cíclicos; e a ameaça ao bom andamento dos negócios, no evento de acidente ou falecimento, do indivíduo que centraliza o poder executivo e acionário.

Perante esses riscos entendemos que precisamos de uma margem de pelo menos 40% (ou desconto de 30%). Mas note que um histórico maior de bons lucros (de 12-15 anos, por exemplo) provavelmente permitiria reduzir significativamente os primeiros dois riscos.

Conclusões e Recomendação

A Porto Seguro possui um histórico de lucros e rentabilidade bem acima da média. Esse desempenho tem levado sua participação de mercado de 48a posição em 1972 a 3a posição hoje, com a empresa assumindo a liderança no segmento auto.

É verdade que há certa inconsistência no registro, mas no período de 9 anos à nossa disposição não há evidências dos efeitos cíclicos observados nos setores de seguros de outros países. Houve forte melhora da rentabilidade em 2006, não há razão de supor que a mesma represente novo patamar de desempenho.

Apesar da comparação imperfeita, análise dos indicadores específicos relacionados com a atividade de seguros da Porto Seguro mostra que a empresa, de uma maneira geral, se sobressai de seus rivais principais.

Estimamos que a ação da empresa tem um preço intrínseco de cerca de R$ 66,70, praticamente igual ao preço atual de mercado. Nossa Análise de Múliplos, embora com embasamento menos rigoroso, também concluiu que a ação está corretamente precificada.

Identificamos três riscos principais: desconhecimento dos fatores causando irregularidades no histórico de lucros da empresa; o possível impacto de efeitos cíclicos; e o risco representado pela centralização do poder executivo e acionário.

Dada às suas qualidades a Porto Seguro merece acompanhamento. É provável que a acumulação de mais dados anuais permitirá reduzir a margem de segurança considerada necessária neste momento - de pelo menos 40% (desconto de 30%).

Finalmente, observamos que diversos detalhes importantes para o entendimento correto do desempenho da empresa não são explicados nos relatórios enviados à CVM.

Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação NÃO mantém uma posição nas ações da Porto Seguro.

Porto Seguro - parte 1

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