Mercado, Vendas e Produtos
Mercados
Internacionalização é estratégica
A Natura possui operações incipientes na Argentina, Chile e Peru, e começou a atuar na França e no México no segundo semestre de 2005. Apesar disso, vendas domésticas ainda representam 99% das vendas totais. Mesmo assim a empresa enfatiza que "o processo de internacionalização é estratégico para a continuidade do crescimento da Natura."
"Entre 2005 e 2007 vamos concentrar nossas operações na América Latina", diz o presidente Pedro Luiz Barreiros Passos. "Nos próximos anos, a velocidade de internacionalização da marca será maior do que a velocidade de crescimento no Brasil."
Europa: novo modelo
Mas a Natura não vai se descuidar da Europa. Ela informa que o Espaço Natura, inaugurado em Paris, onde "o consumidor encontrará produtos elaborados com ativos da biodiversidade brasileira e terá contato com aspectos da cultura e dos costumes do país", faz parte de um novo modelo de operação na Europa. A empresa não informa as características desse novo modelo.
Segmentos e market share
Liderança do setor
No setor de Cosméticos, Fragrâncias e Higiene Pessoal o mercado da Natura abrange os segmentos de Cuidados com a Pele, Protetor Solar, Maquilagem, Perfumes, Fragrâncias, Cuidados para o Cabelo, Creme de Barbear e Desodorantes. Nesses segmentos a empresa detinha, no primeiro quadrimestre de 2005, participação de 20,5%.
Um relatório de 2004 afirma que a empresa detém liderança nacional "no setor de cosméticos e produtos de higiene e de perfumaria".
Em relação ao canal de venda direta no Brasil, a participação da empresa, no mercado de cosméticos, fragrâncias e produtos de higiene pessoal, foi de 51% em 2004.
Linhas de produtos que se destacam
Cronologia ou ecologia?
Natura Chronos: lançada em 1992, a linha incorpora o princípio ativo Elastinol+, ativo exclusivo da Natura para o tratamento "anti-sinais do tempo".
Mamãe e Bebê: lançada em 1993, a linha se dirige à gestante e ao bebê. Foi desenvolvida a partir do conceito do vínculo mãe-filho e vem acompanhada de método de massagem.
Natura Ekos: linha lançada em 2000, elaborada a partir da pesquisa e desenvolvimento de ativos aromáticos da biodiversidade brasileira para os perfumes. A linha envolve o uso sustentável da biodiversidade brasileira.
Vendas diretas ou vendas "porta a porta"
Seja uma Consultora Natura!
Uma das características da empresa é seu uso de vendas diretas para distribuir seus produtos. No fim do primeiro semestre de 2005 a Natura tinha 484.000 revendedoras autônomas ("Consultoras Natura") em operação, um aumento de 21% sobre 12 meses antes. Dessas, 30.000 trabalhavam em outros países de América Latina, um aumento de 36% em 12 meses.
Desconhecemos a importância do canal mas observamos que a empresa usa a internet para encontrar novas consultoras.
A empresa oferece treinamento para as consultoras (140.000 participaram em 2004) e recompensa o bom desempenho através de eventos anuais com premiação das melhores, convites especiais para eventos de lançamento de produtos e visitas VIP a São Paulo, Cajamar e Itapecerica da Serra.
É notável que a venda direta seja um dos poucos segmentos beneficiados pelas crises com o número e a disposição das revendedoras aumentando em períodos de desemprego.
Inadimplência zero
As Consultoras adquirem produtos da Natura, contra pagamento em 21 dias (ou 42 dias em datas especiais), para revenda a seus clientes a preços e condições livremente estabelecidos. Pedidos (por volta de 25.000/dia!) são feitos por telefone ou pela internet e 98% são despachados dentro de 24 horas. O índice médio de inadimplência de suas consultoras nos últimos 5 anos é 1,3%.
A cada "Ciclo" de produtos a empresa imprime e distribui para sua consultoras cerca de 850.000 cópias do seu catálogo colorido "Vitrine Natura" que inclui preços de referência.
Vendas pela Internet
Após uma experiência anterior que não teve grande sucesso, em 2004 a Natura fez parceria com o site Submarino. A Natura não revela o percentual de vendas via internet.
Concorrência
Avon o alvo
Tendo em vista que a Natura vende seus produtos através da venda direta, ela compete primordialmente com a Avon, que opera em grande escala no Brasil e em toda a América Latina.
Os concorrentes em segmentos específicos:
Fragrâncias: Avon e O Boticário;
Produtos para cuidado do corpo e da pele: Avon, Beiersdorf AG (fabricante da Nivea e outros produtos), L'Oréal S.A., Unilever N.V. e Monange;
Produtos para cuidado dos cabelos: Unilever N.V., L'Oréal S.A., Colgate-Palmolive Company e Johnson & Johnson;
Maquilagem: Avon, O Boticário.
Análise de Múltiplos
Alerta
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos de inflação e variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização. Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2005, feita por computador. Por razões de espaço exibimos somente 9 anos da Tabela, que vai de 1995 a 2005.
Indicadores de investimento distorcidos
O retorno sobre patrimônio líquido apresenta crescimento muito rápido ao longo dos últimos 4 anos. Na análise que segue é necessário lembrar que o indicador é o resultado do lucro líquido dividido pelo patrimônio líquido.
Desmembrando o indicador em seus dois componentes, primeiro é notável o crescimento do denominador (o patrimônio líquido) que quadruplicou ao longo do período. Esse crescimento foi facilitado pelo nível extremamente baixo do patrimônio líquido em 2001. A principal explicação disso, como mostra a dívida/patrimônio líquida de 397%, foi o tamanho da dívida naquele ano, resultado, presumivelmente, dos investimentos em Cajamar.
Segundo, o crescimento do numerador do indicador (o lucro líquido) no mesmo período foi mais do que rápido: foi explosivo! É a margem líquida que fornece a explicação: seu nível de 1.1% mostra que o lucro da empresa estava muito abaixo de um patamar razoável de lucratividade em 2001.
Tudo começa a fazer sentido. A rápida expansão nos últimos 4 anos, tanto do retorno sobre patrimônio líquido quanto do lucro líquido, se deve à recuperação da lucratividade. A combinação, em 2001, de baixo patrimônio líquido com pesada dívida líquida evidencia que a queda inicial da lucratividade foi gerada pelo custo de administrar o pesado endividamento.
Aliás, fica a pergunta no ar: a queda de lucratividade chegou a gerar prejuízos em anos anteriores?
Agora temos uma provável explicação para os valores impressionantes de vários dos indicadores de investimento em 2004. O retorno sobre patrimônio líquido e o lucro/patrimônio líquido estão altíssimos devido ao ainda baixo nível do patrimônio líquido (com respeito à receita, por exemplo).
Espaço para maior lucratividade se estreitando
O alto nível do preço/lucro neste momento - é o dobro do mercado - é indício que investidores apostam que o lucro da empresa continuará a crescer fortemente no futuro.
Mas observamos que a margem líquida atingiu 17% em 2004. A margem média de nossa base de dados é 11% e margens acima de 25%, em circunstâncias normais, são raras. É um sinal que o espaço para aumentar ainda mais a lucratividade está se estreitando - e que, no futuro, a expansão de lucro vai depender, principalmente, da expansão de vendas.
Distorção em indicador financeiro
No caso dos indicadores financeiros verifica-se uma situação semelhante: a melhora significativa no indicador dívida líquida/patrimônio líquido se deve tanto à redução da dívida quanto ao aumento no patrimônio líquido.
Cálculo do Valor Intrínseco
Onde estão os lucros históricos?
Não temos balanços da empresa para anos antes de 2001. Mas temos receitas brutas consolidadas para os últimos 10 anos (ver Tabela de Dados). Devido à reestruturação societária a série não é totalmente homogênea. Usando essa série imperfeita estimamos, corrigindo as pontas de cada trecho considerado, crescimento da receita bruta de somente 10% aa, em termos reais, para o período inteiro, caindo para 9% aa de 1995 a 1999 e subindo para 15% aa de 2000 a 2004.
Repetindo o exercício para as receitas líquidas consolidadas, temos crescimento de 17% aa de 2001 a 2004. Se ignorarmos o ano de 2001, provavelmente impactado pela inauguração da nova fábrica, temos crescimento de 24% aa, que corresponde exatamente à taxa de aumento na produção física nesses anos. Entretanto devemos notar que houve crescimento da receita líquida de somente 21% nos 12 meses terminando em meados de 2005.
Desconfiamos do fato de a empresa fornecer receitas mas não lucros para a última década. É inevitável a suposição que há alguns prejuízos ao longo do período.
Analisando os lucros dos últimos 4 anos, temos o lucro líquido do controladora crescendo a mais de 200% aa de 2001 a 2004, uma taxa claramente insustentável. Por outro lado, o lucro da controladora no primeiro semestre de 2005, comparado com 12 meses antes é, após remover a inflação, somente 17% maior (19% no caso do lucro consolidado).
O crescimento que precisamos
Como temos muito mais dados sobre as receitas, e o lucro dos últimos 4 anos é extremamente variável, preferimos usar as receitas como base para prever o lucro futuro. De fato, não vamos exatamente prever o lucro futuro: vamos, inicialmente, calcular a taxa de crescimento que precisamos para tornar um investimento na Natura atraente. Nesta tarefa empregamos o método de Fluxo de Caixa Descontado.
O mais conveniente é uma Análise de Sensibilidade que explora o efeito, sobre a margem de segurança (preço intrínseco / preço de mercado), de diversas taxas de crescimento de lucro e alternativas de payout. É necessário usar o payout como variável por causa de sua grande variabilidade recente: 72% em 2004, 52% em 2003 e 43% em 2002.
Como estamos quase no fim do ano, queremos, para nosso lucro base, uma estimativa conservadora do lucro de 2005. Já vimos que o lucro da controladora cresceu 17%, após descontar inflação, nos 12 meses terminando no fim do primeiro semestre.
Vamos adotar lucros base alternativos que são 15% e 17% acima do lucro de 2004 de R$300MM e adicionar a estimativa de inflação de 2005 de 5%. Arredondando temos R$ 360MM e R$370MM, respectivamente. Supomos que o crescimento de lucro caia para uma taxa perpétua de 5% a partir do décimo primeiro ano. A taxa de desconto é 9,5%.
As resultados seguem:
Tabelas de Sensibilidade - % Margem de Segurança
1) Lucro Base = R$ 360MM (12/05) 2) Lucro Base = R$ 370MM (12/05)
Crescimento Lucro 10 Anos Crescimento Lucro 10 Anos
14% 15% 16% 12% 14% 15% 16%
---------------------- ---------------------------
60% 39 50 62 60% 23 43 54 66
55% 28 38 48 55% 13 31 41 53
Payout -- Payout --------
50% 16 25 35 50% 2 19 29 39
45% 4 13 21 45% -8 7 16 25
---------------------- ---------------------------
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Taxas para todos os gostos
Primeiro, como os dados históricos à nossa disposição estão limitados, precisamos de uma margem de segurança de pelo menos um terço. Segundo, como o payout médio dos últimos 3 anos é 56% não gostaríamos de adotar uma premissa para payout acima de 55%.
Com essas restrições verificamos na Tabela de Sensibilidade que precisamos adotar uma taxa de crescimento de lucro de 10 anos de 14-15% aa para a próxima década - uma taxa alta para qualquer empresa.
Qual seria uma taxa conservadora para a Natura? Já vimos que não temos nenhum dado consistente sobre lucros históricos. No caso das receitas temos taxas para todos os gostos. As taxas históricas vão de 9% aa para receitas consolidadas na primeira metade da última década a 24% aa para receitas líquidas de 2002 a 2004.
Mas quem assegura que o crescimento alto dos últimos dois anos e meio vai perdurar? No final consideramos a cifra mais importante a taxa de 10% aa registrada de 1995 até 2004 para receitas brutas consolidadas. Nesta base, parece muito arriscado prever uma taxa de crescimento de lucro de 14-15% aa para a próxima década.
Riscos da internacionalização
Quais fatores podem influenciar a taxa de crescimento da Natura nos próximos anos?
O bom lucro dos últimos anos, ao permitir a eliminação da dívida líquida e um aumento no capital empregado, criou condições financeiras para a manutenção de uma forte taxa de expansão.
Por outro lado não podemos esquecer o fato que há sinais que a margem líquida da empresa está se aproximando de seu patamar máximo. Isso significa que a recomposição do lucro vista desde 2001 tem seus dias contados e no futuro a expansão dependerá principalmente do crescimento da receita.
De acordo com a Natura "a internacionalização é estratégica para a continuidade do crescimento". Sabemos que esse processo não está livre de riscos. Já notamos (ver Grupo) que as operações em outros países atualmente estão gerando prejuízos.
E já vimos evidências dos dores de crescimento nos problemas com o sistema logístico em 2005 (ver Últimos Resultados).
Chutando
Em suma, não é impossível o lucro da Natura crescer a 15% aa durante a próxima década mas é improvável. Na ausência de mais dados sobre lucros históricos vamos adotar a taxa de 12% para chutar um preço intrínseco para a ação. Para compensar um pouco o conservadorismo usamos R$ 370MM como premissa para o lucro base para o fim de 2005. O valor considera crescimento real de 17% em 2005.
Dá um preço intrínseco em torno de R$ 97.000 por mil ações, 13% acima do atual preço de mercado.
Premissas e Resultados
A
Taxa de Desconto: 9.5%
Lucro Base (R$MM): 370
Taxa de Crescimento 10 anos: 12%
Taxa de Crescimento Perpetua: 5%
Payout: 55%
Valor de Mercado da Empresa (R$MM): 7289
Valor Intrínseco da Empresa (R$MM): 8210
Preço Atual (R$): 85900
Preço Justo (R$): 96.748 / 1000 ações
Margem de Segurança: 13%
Desconto: 11%
A - Cenário mais provável (chutado)
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Discussão
Oba oba
Ao darmos uma primeira olhada nos resultados dos últimos três anos da Natura, sob a influência do oba oba associado com a oferta pública, tivemos a impressão que estivemos perante um fenômeno de crescimento. Quando, após longa procura, finalmente encontramos as receitas da última década vimos que não é bem o caso. De novo, a comparação com a Weg ajuda situar melhor o desempenho da Natura em contexto maior.
Já vimos (na Introdução) que a Natura chegou mais rápido a seu primeiro bilhão de dólares do que a Weg. Mas enquanto a receita bruta da primeira cresceu 10% aa, em termos reais, ao longo dos últimos 10 anos, a receita líquida da Weg cresceu 13% aa. Como a Weg é exportadora e a Natura não, uma das explicações deve ser o fato da primeira ter se beneficiada mais da maxidesvalorização que se iniciou em 1999.
Compromisso com transparência?
Já mencionamos outra diferença, inauspiciosa, entre as empresas: o fato da Natura não revelar seus lucros históricos. Porque? Só há uma explicação possível: foram baixos ou inexistentes durante parte da última década. Não podemos tomar o fato como sinal que o compromisso da empresa com a transparência não é tão firme quanto propaga - mas não podemos deixar de observar que a Natura também não respondeu a nossa solicitação por informações adicionais.
Fora de alcance
Para nós é razoavelmente claro que o papel da Natura não está atraente ao seu preço atual de mercado. Vale a pena comprar a um preço mais baixo? Achamos que sim, mas só como parte de uma carteira diversificada. Com a falta de dados sobre lucros passados a empresa não pode se credenciar como membro pleno de uma carteira concentrada.
Mas para gerar uma margem de segurança de um terço a ação teria que cair 16% - uma possibilidade relativamente remota nas atuais circunstâncias.
Conclusões e Recomendação
Com receitas atingindo US$1BI após 35 anos de existência, a Natura tem crescido de maneira impressionante. Embora tenha havido desaceleração na primeira parte da última década houve retomada a partir de 2000. O que faz falta neste registro são informações sobre resultados líquidos antes de 2001. Desconfiamos que a não divulgação é motivada pela existência de períodos de prejuízos ou baixa rentabilidade.
A análise de múltiplos aponta um processo recente de recapitalização, com a eliminação de pesado endividamento associado, presumivelmente, com a implantação do complexo industrial de Cajamar. É esse processo que tem gerado a explosão de lucro dos últimos anos e os exageros apresentados por vários dos atuais indicadores de investimento. Mas não há dúvida sobre a fortíssima expansão de receitas desde 2002 e a alta margem líquida de lucro atingida em 2004.
Usando o método de Fluxo de Caixa Descontado, simulamos as taxas de crescimento futuro de lucro necessárias para produzir uma margem de segurança atraente. Concluímos que todas extrapolam previsões razoavelmente conservadoras que levam em conta o crescimento histórico de receitas e prováveis cenários futuros para o lucro. Chutamos um valor intrínseco em torno de R$97.000 por mil ações.
Não recomendamos a compra da Natura ao preço atual e consideramos improvável a queda do preço para um nível atraente no curto prazo.
Há uma importante componente ética nas atividades e comunicações sociais da empresa. Embora seu efeito preciso não seja mensurável, esse componente certamente fortalece a imagem da empresa, incentivando a demanda dos consumidores e atraindo novas Consultoras. Mesmo assim, a empresa, que afirma compromisso com a transparência, não respondeu a nossa solicitação de informações!
Natura Cosméticos - parte 1
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