Negócio de carregar pianos
Vale do Rio Doce está no negócio de carregar pianos: commodities. A única esperança aqui é ter matéria prima e transporte baratos, escala gigante e grande eficiência. Privatizada em 6 de maio 1997, a Vale satisfaz, em boa parte, todos estes critérios. Mesmo assim, como diz Mestre Buffet, negócios baseados em commodities, devido à forte ciclicidade de seus preços, são "fortes candidatos a problemas com lucros". Mas parece que a empresa, que também preenche os rígidos critérios de rentabilidade da nossa Seleção Defensiva, tem escapada de dificuldades deste tipo.
Pode ser fino, mas é de ferro
Em 1998, finos de minério de ferro geraram 29% da receita bruta do grupo, pelotas de minério de ferro 14%, aço 12%, transporte 19%, alumínio 12%, celulose e papel 5%, ouro 4% e outros mais 5%. Juntando os finos e as pelotas, vimos que o minério de ferro foi responsável por 43% da receita consolidada (sem contar as receitas da associada infra-estrutura logística). No ano, 100M de toneladas deste produto foram vendidos.
Brasil vendido à tonelada
A maior parte disso, 82M toneladas, foi exportada. A Vale é a maior exportadora de minério de ferro do mundo, com quase 20% do mercado transoceânico. Da receita bruta da controladora, 60% foram exportados ou indexados ao dólar. Para poder escoar o produto, a empresa administra uma vasta infra-estrutura logística que inclui ferrovias, portos e navios.
Ferro do norte a sul
A própria controladora do grupo administra os segmentos de minério de ferro e ouro. No primeiro segmento, a grande divisão é entre o mais velho Sistema Sul, compreendendo as minas de ferro de Minas Gerais, que escoam, através da Estrada de Ferro Vitória a Minas, a grande parte de sua produção para os terminais marítimas de Vitória em Espírito Santo, e o mais novo Sistema Norte.
Selva industrializada
O Sistema Norte compreende a rica província mineral de Carajás, revelada ao longo das últimas décadas nas florestas do sul de Pará. A região é servida pela Estrada de Ferro Carajás que desemboca na cidade portuária de São Luís no Maranhão. Metade do minério de ferro produzido pela Vale vem de Carajás. E além de ferro, há ouro, manganês, cobre ....
Lotta pelotas
Ainda no segmento ferro, a Vale possui participações em 7 usinas de pelotas de minério de ferro nas proximidades de Vítória.
Sweet ships, carga amarga
Praticamente toda a infra-estrutura logística é administrada pela Vale ou sua controlada Docenave. Docenave, com seus 17 navios próprios e 25 afretados se encarrega do transporte marítimo.
Não existindo em baixo, plantam em cima
No segmento de aço, os investimentos principais da Vale (diretamente ou através da Docenave) são participações em CST, Usiminas, CSN e Açominas. Em Alumínio (através da Aluvale) são em MRN, Alunorte, Albrás e Valesul. E em papel e celulose são em Cenibras, Bahia Sul e Celmar.
Governo é dono de 37% da Vale
Ficamos surpresos de verificar que embora as empresas privadas Valepar e Litel Participações, possuem, respectivamente, 42% e 10% das ações ordinárias (que dão direito a voto), da Vale, o Tesouro Nacional e o BNDES ainda retêm 32%.
Até Soros tem um pedaço
Por sua vez as acionistas da Valepar são a afiliada CSN com 31% do capital, Litel Participações com 25%, Eletron com 21%, BNDESpar com 11%, Sweet River Investments ("George Soros e Nations Bank") com 11% e Investvale com 1%. O governo ainda possui o direito de vetar certas operações na Vale e Valepar através de um "golden share" em cada uma das empresas.
Ouvimos pássaros
A Vale é um mundo, fizemos até parte (sobrevoamos o trajeto da Ferrovia São Luís- Carajás quando era selva virgem, e ainda ouvimos pássaros cantando na Serra de Carajás!). Assim o importante numa avaliação rápida é tentar identificar os temas centrais e fugir dos detalhes marginais. Vamos, por exemplo, nos fixar no minério de ferro e nos efeitos de privatização. Mas com isso estamos passando por cima de outros fatores de importância - como a forte queda nos preços de celulose nos últimos dois anos, por exemplo.
Crescimento consistente de retornos ...
Vamos aos números. As receitas ao longo dos últimos 5 anos mostram bastante variação, não sendo observável nenhuma tendência clara; lucros, margens e retornos, após a queda de 1995, apresentam um crescimento consistente; medidas de solvência e liquidez se mantêm estáveis nos últimos 3 anos.
... impulsionado por fatores diversos
Lendo os relatórios anuais, verificamos que dois fatores diferentes foram responsáveis pelos aumentos de lucro observados nos últimos dois anos. Em 1997 um maior volume vendido deu o impulso, enquanto em 1998 (o primeiro ano completo após a privatização) foi uma redução no custo de produtos e serviços. Os pequenos aumentos no preço de minério que ocorreram nos dois anos contrastam com a queda de 12% prevista para 1999. Felizmente, o preço mais baixo não neutralizará o forte aumento de lucros em 1999, provocado pela desvalorização.
P/L barateou; preço/patrimônio líquido encareceu
Passando para os indicadores de mercado, observamos que o preço/lucro atual está bem abaixo de seu valor do fim de 1996, o ano que antecedeu a privatização, enquanto o preço/patrimônio líquido está por volta de 50% acima de seu valor. Mas note que a última percentagem é inflacionada por um patrimônio líquido em queda ao longo do período: se se considerar o patrimônio líquido médio de 1995 e 1996 obteremos um preço/patrimônio líquido atual de 96%, um pouco mais de 25% acima do indicador de 1996.
O preço da ação ainda não reflete as novas perspectivas?
Com um P/L mais atraente e um preço/patrimônio menos atraente de que em 1996, os sinais são um pouco conflitantes. Uma conclusão preliminar seria de que o preço da ação tem reagido às novas perspectivas mas ainda não reflete todo seu potencial (ou será que os investidores em 1996 tinham esperança de dias melhores).
Efeito desvalorização: preço da ação dobra
Agora, observamos um aumento significativa nos dois indicadores desde o fim de 1998: o P/L aumentando em 38%, o preço/patrimônio líquido saltando quase 90%, e o preço da ação, em reais, dobrando. Aqui, pelo menos, a razão é clara: a recuperação da bolsa e o novo cenário para a Vale trazido pela desvalorização. Mas será que nosso sistema SANADA, atrapalhado por fatores extraordinários, calculou uma projeção razoável para 1999?
Primeiro trimestre surpreende
Após análise, chegamos à conclusão de que um número melhor seria US$1500M*. A empresa absorveu os efeitos imediatos da desvalorização de maneira surpreendente, obtendo um ótimo resultado no primeiro trimestre sem deferir nada (embora algumas companhias associadas tenham utilizado este recurso) - e agora vai colher os frutos de sua posição de grande exportadora com custos em reais. Mas vamos simplesmente considerar a previsão na tabela como muito conservadora - deixando nosso sistema computadorizado corrigir seu cálculo na medida que novos resultados saírem.
(*Note que, para permitir comparação com dados históricos, convertimos os reais à taxa do fim de 1998: 1,21.)
Futura fartura
E depois de 1999? Identificamos três fatores que terão forte influencia sobre os resultados da Vale dos próximos anos. O primeiro já mencionamos: a desvalorização. Durante praticamente todos os anos mostrados na tabela, o grupo foi seriamente prejudicado por um real supervalorizado. Agora a desvantagem foi eliminada. Segundo, está se revertendo, no mercado internacional, a situação difícil para commodities iniciada com a crise asiática. Isso provavelmente significa maiores preços e volumes vendidos a partir de 2000. E terceiro, ainda há imenso escopo para "otimizar" o grupo.
Treinamento, emagrecimento e venda da herança
Embora os frios ventos da concorrência internacional tenham mantido a empresa em razoável forma física no passado, não temos dúvida de que o espaço para aumentar eficiência e reduzir custos ainda é grande. Mas não é só isso. Os novos controladores vão racionalizar o grupo, valorizando e depois vendendo, a um bom preço, parte da herança. Tudo isso depende de uma administração de grande competência. Se a reestruturação da CSN é uma indicação, as chances de sucesso são boas.
O sorriso de Steinbruch
Mas aqui devemos reconhecer que estamos contradizendo o Presidente do Conselho, Benjamin Steinbruch, que declarou, em seu Relatório Anual de 1998, que "o processo de reestruturação iniciado com a privatização da empresa" foi "concluído e consolidado". Olhe o sorriso dele acima das palavras: só pode ser para despistar.
Está barata ou não
Mas nada disso responde diretamente à pergunta básica: a ação está barata ou não? Aqui mergulhamos no mundo do fluxo de caixa descontado. Vamos considerar um conjunto de condições otimistas: um lucro básico pós-desvalorização de US$1.500 (a 1,21); crescimento de lucro de 10% por ano nos primeiros 10 anos enquanto a administração otimizar a empresa e o ciclo entrar em sua fase positiva; e crescimento de 5% ao ano nos anos seguintes; nossa velha taxa de desconto de 13%.
Queda confirma valorização?
Obtemos um valor presente de US$8.962 (a 1,21). Verificamos que este representa 105% do patrimônio líquido, enquanto a capitalização atual da empresa (preço da ação x número de ações) representa 116% do patrimônio líquido. Conclusão: mesmo após a queda recente, não há aqui nenhuma evidência de que a ação esteja barata. Aliás, considerando que a Vale é uma das empresas mais analisadas da bolsa, a forte queda recente da ação representa uma espécie de confirmação de nossa avaliação: uma valorização exagerada possivelmente foi corrigida.
Baixo P/L incomoda
Mas o baixo P/L nos incomoda. Se recalculamos o indicador usando nossa projeção de US$1500 para 1999 obtemos 6,6x, muito inferior ao indicador médio de nosso universo de empresas lucrativas (de 9,2x) - e US$1500M ainda pode ser baixo. Certamente, submissão aos cíclos impõe um desconto - mas status de blue-chip também vale um prêmio. Por fim é difícil não imaginar algum potencial de valorização além do mercado, pelo menos em 1999. Um preço/patrimônio líquido a 150% dentro dos próximos 12 meses - 30% acima do nível atual - é uma boa meta. O preço/patrimônio líquido máximo absoluto que nosso sistema registra para os últimos 7 anos - com a firma em condições sub-ótimas - foi de 144% (o mínimo foi de 33%).