Bolsas despencando
Embora tenha havido breve interrupção nos últimos dias, as bolsas, comandadas pelos mercados americanos, estão despencando. Na terra do Tio Sam as razões principais estão claras: o início de um forte aumento nos juros para combater a inflação recorde; e ações - e outros ativos - excessivamente valorizadas.
Carregar na dose
E há um problema sério: gerada principalmente pelos altos preços de combustíveis e alimentos a inflação está, em grande parte, de oferta, e não de demanda. Assim, como a diminuição do nível de atividade doméstica - objetivo visado pela alta dos juros - terá efeito limitado sobre altos preços internacionais, será necessário carregar na dose.
Mestres tinham razão
Mas será que enfrentamos uma retração histórica. De acordo com investidores experientes do quilate de Ray Dalio, Jeremy Grantham e Michael Burry, a conjuntura no início de 2022 levaria a recessão e ao colapso nas bolsas. E com o S&P 500 já cerca de 23% abaixo de sua máxima de dezembro de 2021 parece que os mestres tinham razão.
Ibovespa 21% abaixo de sua máxima
No Brasil não vimos o mesmo grau de sobrevalorização das ações mas, com os juros a 13,25%, é difícil imaginar o crescimento do PIB sair de 1-2%, no máximo. Por outro lado, é provável a bolsa brasileiro, como sempre, acompanhar em linhas gerais os mercados americanos. Por exemplo, no momento em que escrevemos o Índice Bovespa se encontra por volta de 21% abaixo de sua máxima de junho de 2021.
Prêmio acionário de 4,4%
Supondo disponibilidade de caixa, qual é a hora de aproveitar dos preços mais baixos?
Em termos de "value investment" um indicador do valor relativo do mercado de ações frequentemente usado é o "equity premium" (prêmio acionário). Esse compara o earnings yield*, o inverso do preço/lucro, do índice da bolsa com o retorno oferecido pela renda fixa.
(*O suposto retorno oferecido por uma ação.)
Para ter uma ideia, no Brasil, com nossa base de dados exibindo um earnings yield de 10,0% (o inverso do P/L de 10,0x para 2022), e um título "sem risco" de 10 anos (Tesouro IPCA 2032) pagando 5,6% aa, temos um equity premium de 4,4% (10,0-5,6%). O indicador não revela nenhum barateamento incomum da bolsa neste momento, ficando dentro da faixa normal de 4-5%.
Situação impressionante
Mas talvez perspectivas de tempos extremos exigem um indicador mais próximo do estado psicológico da cabeça do investidor.
Não temos estudado os mercados com a profundidade dos mestres mencionados. Mesmo assim, não podemos deixar de nos impressionar com o notável desempenho, em épocas de forte retração, da bolsa brasileira ao longo dos últimos 25 anos.
No período tivemos, no Brasil, 5 "mercados de urso", movimento em que o Índice Bovespa cai mais de 20% a partir de sua última máxima. Tirando os dados do gráfico do Financial Times - que implica em pequenos erros - verificamos uma situação impressionante: em cada ocasião o fundo da correção ocorreu após o Índice apresentar uma queda de aproximadamente 50%. As porcentagens calculadas são: 51%, 52%, 50%, 43% e 46%.
Ações pela metade do preço!
É um exemplo da Síndrome do Piloto Perdido. Nessa situação, ao se encontrar sem qualquer ponto de referência, o piloto se dirige ao objeto que mais chama a atenção. No caso o sol.
Com o mercado em forte queda, e com investidores desorientados, um evento se destaca sobre todas os outros: o ponto onde o mercado perdeu 50% de seu valor. Neste ponto, a oportunidade é indiscutível: as ações estão pela metade do preço! E o gráfico sugere que o tempo da correção não importa: pode ser de dois meses ou 5 anos.
O banco Société Générale, de acordo com artigo no FT, identificou 30 mercados de urso desde 1870 no S&P 500 americano e constatou fundos de 34-40% abaixo da última máxima. De novo, acreditamos que investidores se fixaram na desvalorização de 50%, tentando se antecipar ao evento. Aparentemente o banco encontrou um prazo médio de uns 6 meses entre máxima e mínima.
Estrela mais vistosa
Agora o Índice é uma média composta de ações individuais cujos pontos de reversão serão diversos. Mesmo assim, esses pontos devem normalmente obedecer a sinalização do Índice, estrela mais vistosa do firmamento.
O piloto, se dirigindo na direção do sol, é capaz de acabar no mar (ou no mato) por falta de combustível. O investidor também pode ficar sem a liquidez que se move mas, de posse de títulos à metade do preço, dificilmente fica a ver navios!
24/06/22
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