Leitura tediosa
Ainda bem que o mercado de ações mantém sua capacidade de surpreender. É um estímulo essencial para combater a leitura tediosa de texto pouco inspirado e o enfadonho processamento de números. E quem diria que a quase invisível Pettenati reservaria uma destas surpresas?
Training desbotado
Nossas informações iniciais sobre a Pettenati se limitam a um training desbotado cinza, comprado anos atrás, que leva a marca na etiqueta. Uma investigação preliminar um pouco mais rigorosa mostra baixa liquidez - uma média de três negócios por dia ao longo das últimas 6 semanas - e dificuldade em descobrir o que, exatamente, a empresa faz. Será que devemos ficar satisfeitos com "tecidos acabados de algodão e sintéticos incl. mesclas 100%". E os trainings? Não fabrica mais?
Qualidade de comunicação
Não foi a qualidade de sua comunicação com o mercado, mas seus indicadores, que chamaram nossa atenção para a empresa. Após subir 60% no ano o papel da Pettenati ainda possui um preço/lucro de 1,9x e oferece um dividendo no ano corrente de 12,9% do valor investido.
Tormentas
Mais surpreendente, depois das tormentas enfrentadas pelo setor nos últimos anos, a empresa apresenta caixa líqüida (sobra dinheiro após deduzir as dívidas das aplicações de curto prazo). Como estes predicados levaram a empresa quase ao topo da lista das ações mais atraentes da bolsa, na opinião de nosso sistema, ficamos na obrigação de fazer uma avaliação mais aprofundada do papel.
Negócios abandonados
Lendo o breve história da Pettenati, que se inicia em 1994 com a formação da Malharia Pettenati, as atividades atuais ficam um pouco mais claras. Descobrimos uma trajetória passada cheia de negócios abandonados. Parece que os controladores da empresas passaram pela fabricação de malharia e confecções, pela produção de fios e pelo comércio de atacado, antes de concentrar 100% de seus esforços na produção de tecidos acabados. Não temos informações do tipo de tecido mas, com marcas como Orlandi, Gladium, Ottavius e Amichi, não parece chiffon de madame. É pena que o site da empresa não passou da fase de construção.
Mandam os Pettenati
Não ha dúvida sobre quem manda na empresa. Através da Pettenati Administração e Participações, 90% das ações com direito ao voto pertencem à família Pettenati. E dois membros desta família, Ottávio e Fernanda Maria ocupam, respectivamente, a Presidência e Vice-Presidência da empresa, com a esposa do presidente, Francechina, como diretora.
Passado inconstante
Voltando para os números, o registro inconstante do passado recente exibido na Tabela não ajuda muito em prever o futuro. Após boa lucratividade nos 12 meses até os meados de 1995 - o ano fiscal a empresa fecha em 30 de junho - temos 4 anos de lucros baixos ou inexistentes até a reação de 1999/2000.
Sumiço dos lucros
De acordo com a empresa tanto o sumiço dos lucros quanto seu reaparecimento foi principalmente função do nível da taxa do câmbio. A valorização excessiva da moeda após a implementação do Plano Real atraiu a forte concorrência de produtoras asiáticas; com a desvalorização esta ameaça se retraiu.
Reviravolta avassaladora
A reviravolta foi avassaladora. Distorcida pela taxa de inflação de 1999, as vendas na Tabela subestimam a melhora. As vendas físicas de tecidos da Pettenati pulou de 6.100 toneladas em 1998/1999 para 8.200 toneladas em 1999/2000 - um aumento de 34%. No entanto, observamos aqui que a taxa de câmbio não trabalhou sozinha. A firma tem investido quase US$8MM a.a. nos últimos 5 anos em "diversificação, modernização e qualidade".
Montanha-russa
Para avaliar a empresa precisamos de uma estimativa do crescimento futuro de lucro. Certamente a empresa não vai repetir o crescimento de 1999/2000 no ano fiscal corrente. De fato, a administração prevê um aumento de 16% nas receitas brutas - ainda uma boa taxa. Mas como podemos prever o desempenho da empresa nos próximos 10-30 anos sem dados adicionais? O passado é uma montanha-russa; seus produtos são nebulosos; não temos informações sobre seu mercado.
Pior caso
Então vamos raciocinar pelo pior caso. Se o lucro (e os dividendos) da empresa for crescer à taxa de somente 5% a.a., uma taxa mínima, até o fim dos tempos - vamos pensar em 30 anos - qual seria o valor hoje de todos os dividendos futuros: o valor "intrínseco" da empresa?
Valor justo o dobro do atual?
Partindo do lucro do ano 1999/2000 de R$15MM, que parece isento de "fatores extraordinários" e usando uma taxa de desconto de 10,25% (a TJLP) a resposta, pelo método Fluxo de Caixa Desconto, é R$71MM. O interessante deste número é que é o dobro do valor atual da empresa em bolsa de R$34MM! Se reduzirmos nossa estimativa do lucro inicial para R$10MM temos um valor intrínseco de R$48MM, ainda 40% acima do valor de mercado*.
(*Para tentar não confundir o leitor, aqui usamos os números tirados diretamente do balanço da empresa - e não os dados em dólar de nossa tabela que são ajustados para poder comparar valores antes e depois da desvalorização.)
Resultando surpreendente
O resultado é surpreendente. Ao iniciar a análise, imaginamos que a volatilidade dos resultados da empresa ao longo dos últimos 6 anos não permitiria uma avaliação confiável da atratividade ou não da empresa como investimento.
Ouro escondido
Baseados em premissas que parecem conservadoras, concluímos que um investimento na empresa possui uma "margem de segurança" de 40-100%. É margem folgada, tanto para cobrir a baixa liqüidez da ação e um futuro difícil de focar com precisão, quanto para assegurar um bom retorno - de talvez 50% nos próximos 6 meses. Pode-se esperar 12% só de dividendos. Tem ouro escondido no bolso de nosso velho training.