RAIO-X DA EMPRESA |
Petrobras: desconto sim, margem de segurança não
Data: 21/08/02 Preço da PN por 1000 ações: R$ 40.000,00 Número de ações: 1086,1 MM Setor: Petróleo Produtos/Serviços Principais: Petróleo, gás natural e derivados.
A empresa exibe uma trajetória de grande crescimento ao longo da última década. Mesmo assim, o cenário mais provável é de erosão gradual da alta rentabilidade atual nos próximos anos. Por outro lado, sempre há a possibilidade de choques, tanto positivos quanto negativos, provocados por movimentos abruptos no câmbio ou no preço internacional de petróleo.
A empresa oferece um retorno médio de talvez 17-18% no longo prazo. Mas como ele não vem acompanhado por Margem de Segurança suficiente para cobrir os riscos e potencializar os retornos, não recomendamos a compra da empresa por investidores com este horizonte de tempo (1-5 anos). Caso haja recuperação na bolsa chutamos que investidores de médio prazo (6 meses) terão um retorno de 20-30%. No evento de guerra no Oriente Médio a valorização pode ser, temporáriamente, bem maior.
Tabela de Dados
Introdução
Caixa menos opaca
Não foi nossa intenção inicial analisar a Petrobras: o que começou com alguns cálculos cresceu e tornou-se um empreendimento maior. Mesmo assim, dada à sua complexidade, consideramos o presente estudo como somente uma primeira tentativa de entender o "Sistema".
O Value Investing preza a transparência e a ausência da regulamentação e da influência política. Durante muitos anos a Petrobras foi considerado uma caixa preta que somente analistas especializados ousavam tentar abrir. A regulamentação e a política permanecem, mas com a abertura do mercado doméstico de petróleo, a eliminação gradual do monopólio da Petrobras e o registro da empresa na Bolsa de Nova Iorque, a caixa preta está se tornando menos opaca.
Apesar de a empresa só apresentar boa rentabilidade a partir de 1999, não há como negar a relevância para o Value Investing de um histórico de 12 anos que inclui somente 1 de prejuízos (1991).
História
O Petróleo é Nosso!
Aprovada após uma intensa campanha popular, a Lei 2004 do 3 de outubro de 1953 estabeleceu o monopólio estatal da pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo de seus derivados, criando a Petrobras para exercê-lo. Em 1963 o monopólio foi estendido para cobrir também a importação e exportação dos mesmos produtos.
A distribuição de derivados não foi incluída no monopólio. Tampouco foram afetadas as atividades das duas refinarias existentes, nas mãos do setor privado.
Ao nascer, a Petrobras herdou diversos ativos do antigo Conselho Nacional de Petróleo. Estes incluíram campos petrolíferos produzindo 2.700 barris por dia (bpd), reservas de 15MM de barris de petróleo, duas refinarias (uma ainda em fase de montagem) e 20 petroleiros.
Campos gigantes
A empresa imprimiu o ritmo maior às atividades de exploração no país, primeiro dando atenção às bacias terrestres e, a partir de 1968, ao fundo do mar. A descoberta do campo de Garoupa na Bacia de Campos, em 1974, foi um grande marco no desenvolvimento da indústria petrolífera brasileira. Hoje a Bacia de Campos, com os seus campos gigantes de Marlim, Albacora, Barracuda e Roncador, é a maior província produtora do país, e uma das maiores do mundo em águas profundas.
Em paralelo a empresa expandiu seu parque de refino no Brasil de duas para 11 refinarias.
Com a criação da Braspetro em 1972, a Petrobras intensificou suas operações no exterior que incluem a exploração e produção, o transporte e o refino de gás e petróleo e, mais recentemente, a distribuição de derivados e a produção de petroquímicos.
Auto suficiência
Em 1997, o Brasil, através da Petrobras, entrou no seleto grupo de 16 países que produziam mais de 1MM bpd de petróleo. A tecnologia avançada de produção em águas profundas detida pela empresa foi reconhecida por premiações pela Offshore Conference em 1992 e 2001. Também em 2001 ocorreu o pior acidente da história da empresa: o naufrágio da plataforma P-36, com a perda da vida de 11 empregados.
Hoje a Petrobras é 14a maior empresa de petróleo do mundo, produzindo 1.636 mil barris de óleo equivalente (boe) por dia no Brasil e no exterior.
A produção doméstica de petróleo registrou um recorde de 1.553 mil bpd nos primeiros 7 meses de 2002, para um consumo de 1,9 MM bpd. É previsto que o país alcançará a autosuficiência em 2005.
Abertura do mercado
Com a "flexibilização" do monopólio e a abertura gradual do mercado de petróleo do país, permitidas pela Emenda Constitucional 9 de 1995 e a Lei 9.478 de 1997, iniciou-se uma mudança radical no contexto operacional da empresa.
Hoje os preços nos segmentos de petróleo e derivados, embora sujeitos a contingências políticas e acompanhados de perto, são teoricamente liberados. Nos segmentos de gás natural e GLP (gás de cozinha) por enquanto a administração de preços continua. A concorrência é permitida em todo o setor. O órgão regulador é a Agência Nacional de Petróleo enquanto o Conselho Nacional de Política Energética é responsável pela formulação da política energética nacional.
Na prática, devido a presença avassaladora da Petrobras, a criação de um mercado doméstico verdadeiramente aberto levará muitos anos. Por enquanto a competição séria continua restrita ao segmento de distribuição de derivados.
Estratégia
Consolidar no Brasil; expandir no exterior
Com a abertura do mercado de petróleo no Brasil é importante entender as estratégias da Petrobras.
São as seguintes:
- consolidar as atuais vantagens no mercado doméstico de petróleo e derivados (liderança na exploração e produção offshore de petróleo e na distribuição de derivados);
O anúncio recente da aquisição de 47% da Perez Companc, dono de grandes reservas de petróleo na Argentina (38% do total), Venezuela, Bolívia, Equador e Peru, além de ativos de refino, energia elétrica e petroquímica, representa um grande passo na implementação da última estratégia.
Controle e Administração
Controle estatal continua
A Petrobras é controlada pelo governo, como 55,5% das ações ordinárias da empresa detidos pela União Federal e mais 2% nas mãos do BNDES. O PETROS, o fundo da pensão da Petrobras, possui 23% do total.
Apesar das vendas periódicas das ações do Governo Federal e do BNDES, não existe nenhum plano para privatizar a empresa.
O Presidente da Diretoria Executiva é Francisco Roberto André Grós e o Presidente do Conselho Administrativo é José Jorge de Vasconcelo Lima.
Grupo: Estrutura e Atividades
Grandes números
Todos os números são grandes. Em 2001, o grupo tirou de seus 8.690 poços produtores uma média diária de 1.636 mil barris de boe de petróleo, condensado e gás natural. As reservas totalizam 10,6 BI boe. A Petrobras opera 38 sondas de perfuração, 92 plataformas de produção, 14 refinarias, 124 navios e 15.390 km de dutos.
As atividades do grupo abrangem todo o espectro do setor de petróleo e gás natural: exploração e produção, importação e exportação, refino, transporte, distribuição e produção de petroquímicos.
Controladora domina
De onde vem o lucro do grupo? Em 2001 as atividades operacionais da controladora geraram 82% do seu lucro operacional e a Petrobras Internacional (Braspetro) 8%, com as subsidiárias Petrobras Química (Petroquisa), Petrobras Transporte (Transpetro), Downstream Participações, Petrobras Distribuidora (BR) e Petrobras International Finance (PIFco) contribuindo, juntas, outros 8%. A origem do saldo de 2% não está identificada.
A situação se repete com as receitas do grupo: após excluir vendas intra-grupo, as receitas da controladora representam 85% das receitas consolidadas.
Como a controladora gera mais de 80% das receitas e lucros do grupo, podemos praticamente ignorar as controladas. Mas note que são todas empresas de porte, só perdem importância porque a controladora gera sozinha receitas de R$50 BI e lucro operacional de R$12BI.
Os Petros
Abaixo descrevemos, brevemente, as atividades tanto da controladora quanto das suas subsidiárias principais - do cujo capital a controladora detém praticamente 100%.
Petrobras (controladora): As operações próprias da empresa incluem a exploração e produção, a importação e exportação e o refino de petróleo, condensado e gás natural no Brasil.
Além de petróleo e gás, a empresa vende os múltiplos produtos do refino: gasolinas automotivas, combustíveis de aviação, óleo diesel, óleos lubrificantes e graxas, GLP, produtos asfálticos, querosene de iluminação, solventes, parafinas, matéria prima para fertilizantes, nafta petroquímica, coque verde, enxofre e bunker (combustível de navio).
Braspetro: Atua, no exterior, na exploração e produção de petróleo e gás, no refino e na prestação de serviços de assistência técnica.
Petroquisa: Detem participações nos setores químico e petroquímico. As participações nas centrais produtoras de matéria prima para a cadeia petroquímica - Copene, Copesul e Petroquímica União - representam 80% dos investimentos da empresa.
Transpetro: Atua no transporte e armazenagem de granéis, petróleo e derivados e gás operando dutos, terminais e embarcações. A empresa arrenda os dutos e terminais da controladora.
Downstream: Teve um papel chave na troca de ativos entre o grupo Petrobras e o grupo Repsol-YPF. Como resultado da operação a empresa detém participações em uma refinaria no Brasil e uma refinaria e em postos de serviço na Argentina.
BR: Atua na distribuição de derivativos e petróleo, álcool e outros combustíveis. Sua participação de mercado foi de 32,8% em 2001.
PIFco: Comercializa petróleo e derivados no exterior, intermedeia a compra e venda de petróleo, derivados e materiais para o grupo Petrobras e capta recursos.
Análise de Múltiplos
Lucros crescem a 30 ao ano!?
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos de inflação e a variação cambial. Estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização. Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2002.
Os dados que medem a expansão da Petrobras são impressionantes: na última década, em termos de dólar, a Receita Consolidada cresceu a 12% aa e os lucros a mais de 30% aa. Mas note que, mesmo ajustando as pontas das séries de dados, estes números são influenciados fortemente pelos resultados excepcionais registados desde 2000.
Rentabilidade recente distorce
O Retorno sobre Patrimônio Líqüido médio dos últimos dois anos e meio foi de 34% enquanto o dos 9 anos anteriores (ignorando o prejuízo de 1990) foi de somente 6%. É a rentabilidade excepcional - e não o preço depreciado - a causa principal do fato que o Preço/Lucro atual de 4,8x é o menor registrado pela Tabela (os P/Ls históricos são do fim de cada ano).
O Preço/Patrimônio Líqüido está 25% acima de sua média histórica. Mas isso não significa muita coisa: a média é puxada para baixo pelo nível muito baixo do indicador nos primeiros anos da última década.
Para chegar à qualquer conclusão é necessário estabelecer se a altíssima rentabilidade dos últimos anos é sustentável ou não. Observe que podemos interpretar o baixo nível do P/L como um sinal que investidores NÃO confiam na sua continuação. Consideramos este assunto na seção Discussão.
Agora, com um indicador Dívida Líqüida/Patrimônio Líqüida de 6% (no fim de 2001), não há dúvida que a posição financeira da empresa está forte.
Cálculo do Valor Intrínseco
Como prever o futuro?
Primeiro vamos listar as razões que dificultam a projeção dos lucros da empresa:
- a folha corrida inconsistente, com o Retorno sobre Patrimônio Líqüido dos últimos dois anos quase 6 vezes o dos 9 anos anteriores;
Como avaliar a empresa?
Como suspeitamos que o lucro atual esteja atipicamente alto, estimamos um lucro-base "típico" para o fim de 2001, multiplicando o Patrimônio Líqüido nessa data pelo Retorno médio da última década de 12%. Dá um lucro-base de R$3.565MM. Adotamos também um Payout de 34%, um crescimento no lucro-base de 12% aa (o crescimento histórico de Receitas) durante os próximos 10 anos, caindo para 5% em seguida, e uma Taxa de Desconto de 10%. Dá um valor intrínseco para a empresa de R$38.448MM. Este valor é abaixo do valor de mercado da empresa em bolsa de R$43.444MM.
Como a premissa para o lucro-base parece pessimista, vamos adotar um valor equivalente a 15% do Patrimônio Líqüido no fim de 2001 (mantendo as mesmas taxas de crescimento). Obtemos um valor intrínseco de R$48.063MM, 11% acima do valor de mercado. Embora positiva é uma Margem de Segurança pequena.
Como encontrar Margem de Segurança?
Precisamos de uma Margem de Segurança de 40-50% para cobrir os riscos - advindos principalmente da volatilidade do real e do preço de petróleo - e tornar atraente um investimento em Petrobras.
Continuando as simulações, cujos resultados estão apresentados na Tabela de Sensibilidade, verificamos que só aproximamos desta Margem com um lucro base equivalente a 20% do Patrimônio Líqüido e uma taxa de expansão de 12% aa ao longo de uma década.
Discussão
Explicações e coincidências
Para avaliar se as premissas que produzem a Margem de Segurança que procuramos são viáveis precisamos entender a alta rentabilidade dos últimos anos.
Qual é a explicação fornecida pela empresa? Ao comentar o resultado de 2000, o ano da virada, a Mensagem do Presidente no Relatório Anual de 2000 afirma que: "Por mais que considerem fatores externos, como o aumento nos preços internacionais de petróleo, é de justiça reconhecer que os resultados são fruto de sua conjugação com o cuidadoso planejamento e o desempenho da empresa." Observamos que o preço de petróleo "Brent" atingiu um pico de US$35 em 2000.
Mas é muito coincidência os resultados da empresa explodirem um ano após a desistência de o governo defender o valor do real. Com os preços de seus produtos principais estabelecidos com base nos mercados internacionais de hidrocarbonetos (embora haja, atualmente, a necessidade da "anuência" prévia da Agência Nacional de Petróleo), há pouca dúvida que é a feliz combinação da desvalorização do real com o aumento no preço internacional de petróleo que explica os resultados deslumbrantes dos últimos anos.
Na Demonstração do Resultado de 2000 verificamos, por exemplo, que a Receita Bruta da controladora aumentou 56% com relação a 1999, enquanto o Custo dos Produtos Vendidos cresceu somente 46%. Pode ter havido a influência de maior eficiência mas somente preços mais altos (em termos de reais) podem explicar tanta disparidade.
Rentabilidade ameaçada
A rentabilidade atual da empresa vai se manter? Em princípio, não, porque a inflação interna reduzirá, aos poucos, a vantagem dos custos mais baratos em reais. E não estamos considerando aqui outras possíveis influências negativas - como os efeitos da perda do monopólio, a redução de consumo e a pressão popular para segurar preços, por exemplo.
É claro que circunstâncias favoráveis, como uma continuação da desvalorização do real ou uma alta no preços internacionais de petróleo (ao eclodir uma guerra no Oriente Médio, por exemplo) podem assegurar a manutenção da performance dos últimos anos durante um período.
Só que não é razoável supor a permanência de tais efeitos ao longo dos próximos 10 anos: a moeda brasileira já parece excessivamente barata, enquanto é notório a imprevisibilidade do preço de petróleo. Apesar do contexto operacional da empresa ter mudado não podemos ignorar completamente a testemunha do passado.
Abertura é lucrativa?
Mas há um fator que pode ajudar amortecer a queda de rentabilidade: justamente a reação da empresa ao novo contexto operacional. Sob a pressão da crescente competição acreditamos que a Petrobras se tornará mais eficiente nos próximos anos. Como a empresa começa de uma posição de força é razoável supor que esta eficiência se traduzirá, pelo menos no início, em maior lucratividade.
Nossa premissa de um lucro-base de 20% do Patrimônio embute a expectativa de uma perda de rentabilidade. Mas a evidência histórica - uma média de 12% - sugere que é ainda otimista. Como a redução da rentabilidade deve ser lenta, e sua média futura superar a média histórica, há a impressão que o lucro-base mais provável esteja mais próximo de 15% do Patrimônio, sugerindo a existência uma Margem de Segurança na faixa de 10-20%.
Recomendação
Não acreditamos que a Petrobras ofereça uma oportunidade atraente para investidores de longo prazo: uma Margem de Segurança de 10-20% oferece pouca proteção contra riscos e reduzido espaço para a valorização. Mesmo assim, chutamos um retorno médio no investimento de cerca de 17-18% aa, em termos de dividendos e ganho de capital, um retorno respeitável.
O retorno de investidores de curto e médio prazo depende do comportamento das variáveis chave: as variações no valor do real e no preço internacional de petróleo - fatores impossíveis de prever com qualquer segurança. Mas estes investidores podem esperar alguma valorização na medida em que a bolsa brasileira se recuperar - um movimento que possivelmente já começou. Nestas circunstâncias chutamos um retorno de médio prazo de 20-30%.
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