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Natura: ascensão e queda
Código: NATU3 Ibovespa: 45719 Valorização em 2015: -29% Setor: Cosméticos, Perfumaria e Higiene Pessoal
Após mais de uma década de forte crescimento os resultados da Natura entraram em declínio. Em termos reais os lucros estão caindo desde 2012 e as receitas e produção física desde 2014.
Há sempre a possibilidade de uma retomada, e a empresa está empenhando grandes esforços neste sentido. Infelizmente não vimos os resultados na prática, A consistente tendência declinante da participação de mercado - houve diminuição de quase 24% desde 2010 - recomenda pessimismo.
Mesmo após a forte queda da ação desde o fim de 2012, análise sugere que o desempenho futuro da empresa dificilmente justificará o valor atual em bolsa.
Não recomendamos a compra do papel e consideramos arriscado acionistas existentes manterem suas posições.
Introdução
Posição estratégica
Escolhemos as ações da Natura, alguns anos atrás, para ocupar uma posição estratégica em nossa carteira. Líder de um setor de desempenho excepcional, com negócio fácil de entender, crescimento consistente durante uma década ou mais, boas margens e baixa dívida, a empresa aparentemente preenchia os quesitos de investimento em valor.
Calcanhar de Aquiles
No entanto, avaliamos mal a possibilidade do contexto operacional se manter favorável no futuro. Nos anos seguintes o modelo de negócios e a forte concorrência - atraída pelo setor exuberante - se mostravam o calcanhar de Aquiles do investimento.
Nesta nova análise documentamos a ascensão e queda da Natura e tentamos imaginar seu futuro.
Tabela de Dados
Últimos Resultados
Primeiro semestre de 2015
Deterioração acelera
À primeira vista os resultados dos 6 meses iniciais de 2015 mostram aceleração da deterioração observada em 2014. Em termos reais a receita consolidada caiu 2,4% e o lucro líquido despencou 25,9% com relação ao primeiro semestre de 2014.
No entanto a Natura informa que o lucro sofreu o impacto de um aumento atípico nas provisões para cobrir a "aquisição da parcela remanescente de 28,66% da Aesop". A exclusão deste item reduz a queda do lucro real em cerca de 10 pontos, ainda deixando um resultado ruim.
Salto na receita do exterior
Um aspecto positivo é a crescente importância das operações internacionais, agora fonte de 26% da receita consolidada no semestre. Enquanto a receita no Brasil caiu 3,5% no semestre, em termos nominais, a receita em reais das operações no exterior, ajudada pela desvalorização, saltou impressionantes 50,3%. Mas o lucro líquido gerado no exterior representa somente 11% do total consolidado ainda.
Dados setoriais em dúvida
É preciso reconhecer, numa situação de desaquecimento no Brasil, que uma retração real de 2,4% na receita semestral, considerado isoladamente, não é um desempenho tão ruim e tende a confirmar a baixa ciclicidade do setor de Cosméticos, Perfumaria e Higiene Pessoal.
Dados da ABIHPEC, a associação setorial, mostram vendas deflacionadas crescendo a 7.0% em 2014. Face a este forte desempenho custa a acreditar que houve um recuo de 6,8% nas vendas em janeiro e fevereiro de 2015 conforme relatado em artigo do Valor Econômico de 19/05/15.
Se for verdade (não temos acesso direto às informações da ABIHPEC de 2015) os resultados da Natura no primeiro trimestre, com receita nominal em alta, podem ser considerados excelentes! Mas note que a própria Natura questiona a validade dos dados da ABTHPEC para o período que começa no último trimestre de 2014.
Forte alta em despesas devido a ...
A queda alavancada no lucro líquido do semestre é consequência da disparidade entre a taxa de expansão da receita (+6,3% nominais) e a forte alta tanto das despesas operacionais (+9,6%) quanto das despesas financeiras líquidas (+62,5). Surpreendentemente, o custo de vendas, ao crescer somente 4,9%, mais uma vez amenizou a queda do lucro.
A Natura não detalha muito as variações de custos observadas. A administração afirma que a "provisão Aesop" pesou nas despesas financeiras. Mas parece obvio que o aumento de 15% na dívida líquida em somente 6 meses, junto com a escalada de juros, teve um efeito muito maior.
... dívida em alta ...
Parte do aumento da dívida se deve à desvalorização do real. Outros 10% da dívida total, informa a Natura, podem ser ignorados porque consistem de "impactos temporários e não-caixa da marcação a mercado de derivados atrelados à dívida em moeda estrangeira".
... e gastos com indenizações e sistemas
Mais difícil é encontrar explicações pelo avanços de 10,5% na despesas de vendas e de 8,0% nas despesas gerais e administrativas. Imaginamos que estes aumentos - também observados nos resultados do ano de 2014 - refletem um maior esforço de vendas. O relatório da Natura menciona maiores gastos com indenizações (?), sistemas de informação e logística.
Dividendos financiados?
Olhando a Demonstração de Fluxo de Caixa do semestre mais uma vez temos a impressão que não seria possível manter o alto payout de dividendos sem pedir mais dinheiro empresado.
A Natura comemora a forte aumento de geração de caixa livre no semestre, resultado de reduções tanto nos investimentos quanto no capital de giro.
Queda na produção física
Um foco de preocupação, no entanto, são os dados de "unidades de produtos para revenda". Dá até para aceitar que a concorrência intensa no setor resulte na redução de preços e que este movimento, por sua vez, cause queda de receita. Menos aceitável é observar retração de receita provocada por quedas significativas no volume físico vendido.
Em termos de "produtos para revenda" a Natura sofreu queda de 4,1% em 2014 e impressionante retração de 8,2% no primeiro semestre de 2015, ambos comparados com os mesmos períodos de 12 meses antes.
A ultrapassagem
Para completar as más notícias, a apresentação mais recente da empresa, de junho deste ano, mostra que a "ultrapassagem" já aconteceu: em 2014 a Unilever finalmente desbancou a Natura como líder do setor em termos de vendas financeiras. E, olhando z tendência do gráfico de participação de mercado do setor, é quase certo que a Boticário empurrará a Natura para terceiro lugar em 2015.
Análise de Múltiplos
Alerta de sempre
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação, variações cambiais e alterações no regime contábil. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" (explicados em nota abaixo da Tabela) para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.
Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2015, feita parcialmente por computador.
Investidores ainda preocupados
A principal alteração na Tabela de Dados da Natura desde a análise de 13/02/15 é a redução da previsão de lucro para 2015 e a deterioração do nível de endividamento. Os indicadores preço/lucro e preço/patrimônio líquido continuam próximos de seus níveis mais baixos dos últimos 12 anos. Observamos, mais uma vez, que esta situação é menos evidência de desconto do que medida da preocupação de investidores com a direção dos resultados.
Dívida mais alta de 12 anos
Sabemos que as características específicas do negócio da Natura produzem um patrimônio líquido atipicamente baixo. Mesmo assim a razão dívida líquida/patrimônio líquido de 2,67x, além de ser o índice mais alto da empresa ao longo dos últimos 12 anos, se encontra entre os mais altos de nossa base de dados. Desde o fim de 2014 o valor absoluto da dívida líquida subiu 5%.
Cálculo do Valor Intrínseco
Projeção reduzida
Perante os resultados do primeiro semestre de 2015 é necessário reduzir radicalmente a projeção de lucro para 2015 adotada na análise de 13/02/15. Para fazer nova previsão de lucro para 2015 anualizamos o lucro de 6 meses de R$ 236MM e aumentamos o resultado em 15% para refletir a sazonalidade. Em seguida, para manter a sistemática do cálculo anterior, supomos crescimento de lucro zero em 2015 e deflacionamos o valor para obter o lucro base no início do ano.
Premissas implícitas
Como não temos ideia do futuro da Natura investigamos primeiro as premissas implícitas no preço atual de mercado de R$ 22,47. Com a economia do país e os resultados da empresa piorando vamos supor crescimento zero de lucro em 2015 e 2016. Mantemos o payout de 85% e a taxa de desconto de 6,6% (apesar dos juros de mais de 7% aa sendo oferecidos pela NTNB de 2024) da última análise.
Usando o MoneyChimp temos logo a resposta (ver Coluna A da tabela abaixo). Para valer o preço de mercado atual a Natura, após 2 anos sem crescimento, precisa se expandir a 3,6% aa durante 8 anos e a 2,1% aa, eternamente, a partir do décimo primeiro ano. As taxas são "reais".
Premissas para obter margem de 50%
Para tornar um investimento atraente precisamos uma margem de segurança de, talvez, 50%. Então vamos descobrir as premissas necessárias para obter um preço intrínseco 50% acima do preço atual, isto é: de R$ 33,70.
De novo o MoneyChimp responde rápido: após o biênio de crescimento zero teríamos de ter expansão durante 8 anos de 6,4% aa seguida por uma taxa de 3,2% aa. em perpetuidade (Coluna B).
Agora vamos analisar um cenário pessimista: zero crescimento daqui para frente. Neste caso o preço intrínseco da ação é R$ 15,30 (Coluna C). É o pior caso.
Tabela de Premissas e Resultados
Ascensão e queda
Nossos dados mostram que durante 14 anos, a Natura apresentou crescimento contínuo de receita e produção física, com a primeira registrando a taxa média de expansão excepcional de 11% aa. Este período se encerrou em 2013, sendo seguido por 18 meses de vendas e produção em queda.
A expansão do lucro tem sido mais irregular, exibindo crescimento de mais de 7% aa durante o período de 9 anos que terminou em 2011. A partir de 2012 assistimos a um forte declínio no resultado.
Revelador mesmo é o gráfico, já mencionado, constante das apresentações da empresa. Este mostra que, desde 2010, há uma queda persistente na participação da Natura no mercado brasileiro do setor de Cosméticos, Perfumaria e Higiene Pessoal. O "market share" despencou de 14,8% em 2010 para 11,3% em 2014, uma queda acumulada de 23,6%. É notável que o market share da Avon exibe um desempenho semelhante no período.
Retomada?
Um investidor em potencial na Natura poderia apostar na hipótese de uma retomada do desempenho evidenciado na última década. Afinal, já houve retração no lucro nesse período (nos anos 2007 e 2008). E um crescimento consistente de lucro de cerca de 6% aa, taxa superada no mesmo período, representaria, como vimos, uma margem de segurança de 50%,
Mas é impossível ignorar a evidência da curva de participação de mercado. A tendência persistente de forte queda é inegável; não há nenhum sinal de reversão. Há ainda a curva semelhante da Avon que sugere que há um problema sério com o modelo porta à porta de vendas empregado pelas duas empresas.
Curinga
O curinga é a contribuição crescente da operações internacionais. Mas, como vimos, enquanto a receita gerada no exterior já representa 26% do total consolidado no último semestre, o lucro realizado alcançou somente 11% do lucro total.
É possível as operações externas contrabalancem a desaceleração das operações no Brasil no futuro mas não acreditamos neste cenário no médio prazo (5 anos?). É quem garante que os problemas que afetam as atividades no Brasil atualmente não vão aparecer mais tarde no exterior?
Discussão
Receita desacelera
Fizemos um estudo da evolução das contas da Natura nos últimos anos. O processo começa com a desaceleração da expansão de receita a partir de 2011, uma tendência que culmina com a queda efetiva (em termos reais) de vendas em 2014 e 2015.
A administração reage
Também a partir de 2011 observamos a implementação pela administração da empresa de medidas para conter a desaceleração da receita. Houve aumento significativo nos investimentos e crescimento progressivo nos custos e despesas. A consequência dos gastos maiores também aparece: o encolhimento do lucro e a escalada da dívida líquida e das despesas financeiras relacionadas.
Esforço em vão
O que não constatamos é uma recuperação da receita como resultado dos esforços empenhados. E apesar do aumento, equivalente a cerca de 10% da receita, nos custos e despesas desde 2011 a Natura continua a pagar como dividendos um valor quase igual a todo seu lucro líquido. Isso obriga a empresa a aumentar ainda mais o nível de endividamento.
Dividendos em perigo
Concluímos que não será possível, no contexto de despesas operacionais em forte ascensão, manter durante muito tempo o nível de dividendos se a receita não voltar a crescer. Por outro lado, se as vendas não reagirem e a Natura for obrigada a reduzir suas despesas é provável que haverá uma aceleração na queda da receita, com consequências igualmente nefastas para os dividendos.
Risco de manter é alto
Não encontramos motivos para comprar as ações da Natura. Mas investidores existentes devem fazer o que? A empresa vale seu preço atual em bolsa? No cenário que imaginamos, após 2 anos de lucro constante é necessário 8 anos de crescimento "acelerado" de 3,6% aa seguidos de crescimento "perpétuo" de 2,1% aa. Em vista do comportamento dos resultados da empresa nos últimos anos consideramos alto o risco de não atingir o crescimento necessário.
Perguntas
Se a Natura estiver em declínio estrutural qual seria sua trajetória? É muito difícil imaginar uma empresa com as qualidades da Natura, ex-líder de seu setor, aos poucos desaparecer. Se o problema for o modelo de negócios será que não dá para alterar o modelo? Ou o sistema porta à porta é parte intrínseca do negócio da empresa? A administração, que às vezes parece viver numa realidade paralela, tem a capacidade de se adaptar? São perguntas que só serão respondidas com a passagem do tempo.
Mercado também pessimista
Observamos que o mercado parece compartilhar nosso pessimismo com relação à Natura: desde o fim de 2012 o papel da Natura apresenta forte e consistente declínio relativo ao gráfico do Índice Bovespa.
Conclusões e Recomendação
Após mais de uma década de forte crescimento os resultados da Natura entraram em declínio. Em termos reais os lucros estão caindo desde 2012 e as receitas e produção física desde 2014.
Há sempre a possibilidade de uma retomada, e a empresa está empenhando grandes esforços neste sentido. Infelizmente não vimos os resultados na prática. A consistente tendência declinante da participação de mercado - houve diminuição de quase 24% desde 2010 - recomenda pessimismo.
Mesmo após a forte queda da ação desde o fim de 2012, análise sugere que o desempenho futuro da empresa dificilmente justificará o valor atual em bolsa.
Apesar das dificuldades a Natura insiste em pagar como dividendos um valor quase igual a seu lucro líquido, obrigando a empresa a expandir progressivamente seu nível de endividamento.
Não recomendamos a compra do papel e consideramos arriscado acionistas existentes manterem suas posições.
Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação administra uma carteira que detém uma posição da Natura.
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