CHECK-UP DA EMPRESA
Natura: como NÃO administrar o crescimento
Código: NATU3
Data Base: 23/01/08
Preço da ação ON: R$ 14,70 Número de ações: 428.76 MM
Ibovespa: 54234
Setor: Cosméticos, Fragrâncias e Higiene Pessoal Produtos/Serviços Principais: Cuidados com a Pele, Protetor Solar, Maquilagem, Perfumes, Fragrâncias, Cuidados para o Cabelo, Creme de Barbear e Desodorantes.

A receita bruta da Natura exibe expansão média de 12,3% aa, em termos reais, desde 1995. É um desempenho muito bom. Os dados sobre lucros são menos consistentes mas nos anos 2004-6 as margens alcançaram o ótimo patamar de 17% e os retornos apresentaram média impressionante de mais de 70%.

Só que o desempenho da empresa arrefeceu a partir do último trimestre de 2006. A desaceleração da expansão da receita e a queda absoluta no lucro impactaram o preço da ação, gerando uma queda de 50% desde o fim daquele ano.

Da mesma maneira que houve certa euforia após a Oferta Pública Inicial em 2004, acreditamos que agora estamos assistindo a um pessimismo exagerado.

O preço justo do papel da Natura, estimado a partir de premissas conservadoras, alcança R$ 22,40, 52% acima do preço atual do mercado. É uma margem de segurança atraente.

Recomendamos a compra da Natura para carteiras diversificadas com horizonte de longo prazo (2-5 anos). Dada a possibilidade que a deterioração nos resultados ainda não terminou - e a existência de boato, provavelmente infundado, sobre nova emissão de ações - sugerimos espaçar as compras.

Introdução

Atingimos o fundo do poço?

A ação da Natura já despencou 51% desde o fim de 2006. Em nossa análise de 21/09/07, com a queda naquela altura acumulando 24%, recomendamos a manutenção do papel por acionistas existentes. Infelizmente o declínio continuou, adicionando mais 27pp. Será que agora o fundo do poço foi atingido? Não sabemos, mas como nossas recomendações de compra ou manutenção da Natura em 2006 e 2007 têm se mostrado infelizes é necessário proceder com cautela.

Ventos contra

A principal novidade desde a ultima análise foi a divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2007. A demonstração de lucro consolidado mostrou a manutenção da tendência da desaceleração do crescimento da receita bruta, e da queda absoluta no lucro líquido, observada nos três trimestres anteriores. Em outras palavras, os ventos contra continuam. Em um setor expandindo a todo vapor qual é a natureza das forças segurando a empresa? É há chance de superá-las? Mais uma vez analisamos a enigmática Natura.

Tabela de Dados

                                                (dólares ajustados)
          
Ano            1999  2000  2001  2002  2003  2004  2005  2006  2007E 2008P
=========================================================================
Produção (MM de unidades)    91   107   136   175   223   253     -     -
Receita Brut.   631   730   778   833  1032  1272  1541  1796  1927     -
Cres. An. RB % -5.2  15.7   6.6   7.1  23.9  23.2  21.1  16.5   7.3     -
-------------------------------------------------------------------------
Receita Liq.      0     0   584   586   718   886  1084  1273  1366     -
Lucro Liquido     0     0     6    13    35   150   189   217   208   228
Pat.Liquido       0     0    52    54    66   219   249   301   347   347
No.Acoes MM       0     0    83    83    83    85    85   428   429   429
-------------------------------------------------------------------------
Lucro/P.Liq. %    -     -  12.1  23.8  53.1  68.7  75.9  72.1  60.0  66.0
Preco/Lucro x     -     -   0.0   0.0  49.4  21.9  22.0  27.5     -  12.2
Preco/P.Liq. %    -     -   0.0   0.0  2623  1502  1673  1980     -   802
Margem Liq. %     -     -   1.1   2.2   4.9  17.0  17.4  17.0  15.2     -
Yield (Divi/Preco) %                                                  5.2
Payout (Divi/Lucro) %                                                63.2
Lucro/Cap.Invest. %     -     -     -     -     -     -  81.0     -     -
Liquidez Corrente x     -     -     -     -     -     -   1.4     -   1.9
Div.Liq/Pat.Liq. %      -     -     -     -     -     - -11.0     -  15.0
-------------------------------------------------------------------------
P - Projetado         Retorno/Patrimônio Liq baseado no ultimo PL disponível do ano (e não do
inicio  do ano); Preço/Lucro baseado no fim do ano para períodos encerrados e no preço atual
para períodos não encerrados; dados até  31/12/98  convertidos  em  US$ pelo câmbio do fim do
ano em questão, dados a partir de 31/12/98 convertidas pelo câmbio do 31/12/98 (US$1=R$1,21),
após reajustamento pela inflação. Somente as receitas e os indicadores financeiros se referem
aos balanços consolidados.

Ultimos Resultados

Primeiros 9 meses de 2007

Desaceleração

Em 2007 o aumento na receita bruta consolidada, com relação ao mesmo período do ano anterior, foi de 18% (nominais) no primeiro trimestre, 11% no segundo e 7% no terceiro. No caso do lucro líquido houve redução de 2%, 0% e 12% nos mesmos trimestres. É um quadro de desaceleração de desempenho. Por outro lado, a empresa apresentou retorno anualizado sobre patrimônio líquido de 55%, entre os maiores da bolsa.

Os dados acumulados de 9 meses mostram a desaceleração por outro ângulo. Com relação ao mesmo período 2006, há aumento de 13% na produção de unidades físicas, aumento de 11% na receita e queda de 5% no lucro líquido. A empresa não está conseguindo transformar toda a expansão de sua produção em receita nem converter toda a expansão de sua receita em lucro. Os resultados contrastam com as receitas do setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (CFT) que se expandiram mais de 14% no primeiro semestre sobre o mesmo período de 2007.

Impacto de promoções; perdas com produtos descontinuados

Foram os fortes aumentos no custo de bens vendidos (+17,1%) e nas despesas com vendas (+17,5%) que impediram a transferência para o lucro do aumento na receita.

Com relação ao aumento do custo de bens vendidos a empresa, em seu Comentário de Desempenho, afirma que "é explicado principalmente por: (i) aumento do impacto das promoções na margem bruta, e (ii) crescimento de perdas com descontinuidade de produtos." Não são explicações tranquilizadoras. As maiores despesas com vendas a Natura atribui à "expansão das operações internacionais com a abertura de novos setores e maiores gastos com fortalecimento da marca".

Sem explicação contundente

Não encontramos, nos Comentários de Desempenho trimestral, nenhuma explicação contundente da redução progressiva no crescimento de vendas ao longo de 2007. No Comentário do segundo trimestre a empresa diz:

"O crescimento da receita no mercado interno, bem como a nossa participação de mercado no acumulado do ano, ficou aquém das nossas expectativas e do potencial da nossa marca. Como já divulgamos desde o início deste ano, a Companhia vem implementando ajustes na estratégia de marketing buscando maior eficiência e equilíbrio entre curto e longo prazo."

Pelo terceiro trimestre a administração tinha encontrado um discurso que evitava autocrítica:

"Nos encontramos hoje em um momento de consolidação e de reorganização dos principais processos do nosso negócio e o início da construção de uma nova fase de crescimento. Nossos resultados recentes refletem esta fase de transição pela qual estamos passando."

Impacto pleno das medidas em 2009!

Mais preocupante é o seguinte que indica que teremos que esperar até 2009 para ver o "impacto pleno" das medidas sendo tomadas:

"A expectativa de grande crescimento do mercado CFT no Brasil, aliada à preferência pela nossa marca, à diferenciação dos nossos produtos e à qualidade da relação que temos com nosso canal de vendas, sustentam nossa confiança no sucesso desta nova fase de expansão nos próximos anos. Este programa já iniciado no segundo semestre deste ano terá o seu impacto pleno em 2009, pois é composto de iniciativas de maturação de curto e médio prazos."

Investimentos revisados para baixo

Finalmente é desanimador ler que "A meta de R$ 175 milhões de investimento em imobilizado para o ano de 2007 foi revisada para R$ 130 milhões. Esta redução no plano de investimentos do corrente exercício deve-se a: (i) revisão do programa de capacitação em decorrência das vendas neste ano terem ficado abaixo das expectativas da empresa; e (ii) postergação de alguns projetos por conta de mudança organizacional com terceirização na área de Tecnologia da Informação."

Análise de Múltiplos

Alerta de sempre

Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação e das variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.

Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2008, feita por computador. Por razões de espaço exibimos somente 10 anos da Tabela, que vai de 1995 a 2008 (14 anos).

Indicadores atuais 50% abaixo de suas médias

Os indicadores atuais de mercado possuem uma clara vantagem sobre níveis passados com tanto o preço/lucro quanto o preço/patrimônio líquido mais de 50% abaixo de suas médias de 4 anos. Não se vê redução comparável no retorno sobre o patrimônio líquido previsto para 2007 e 2008, cujo nível está cerca de 7% abaixo da média dos 4 anos anteriores.

Queda de lucro não é evento excepcional

Mas é claro que a preocupação dos investidores se refere à queda do lucro em 2007 após pelo menos 5 anos de forte expansão.

Fica difícil contextualizar essa queda diretamente porque o limitado registro histórico que possuímos dos lucros da Natura não é consistente: de 2001 a 2003 há a impressão que a lucratividade da empresa estava sendo recomposta após um período de resultados fracos; foi só nos anos 2004 a 2006, com márgens de 17% e retornos acima de 60%, que a empresa aparentemente atingiu seu potencial pleno.

Devido a essa inconsistência na série de lucros achamos mais proveitoso centrar nossa análise no longo registro que temos da receita bruta.

Após calcular seu crescimento anual desde 1995 (ver Tabela de Dados) nossa primeira observação é que a Receita Bruta também não tem sido muito consistente, com fases de expansão altíssima intercaladas com fases de expansão baixa e, em 1999, contração mesmo. Nesse contexto, percebemos que o baixo crescimento de 7,3% em 2007, embora vindo após um período de alto crescimento, e bem abaixo do crescimento histórico médio de 12,3% aa, não é um evento excepcional na história da empresa.

É razoável supor que as fases de crescimento da receita têm provocado fases correspondentes, de amplitude maior, de variação do lucro. A forte recuperação de lucro a partir de 2001, por exemplo, é evidência indireta de lucro baixo, ou negativo, nos anos anteriores.

Em conclusão, os indicadores de mercado mostram que a ação da Natura caiu a um nível não visto desde a IPO da empresa. Mas isso não significa, necessariamente, que o papel esteja barato: não é fora da cogitação que os níveis dos indicadores no passado tivessem sobrevalorizado a empresa.

Posição financeira tranquila

Olhando a posição financeira observamos que o caixa líquido no fim de 2006 agora foi substituido por dívida líquida. Representando somente 15% do patrimônio líquido isso não deve ser motivo de preocupação.

Cálculo do Valor Intrínseco

Taxas para todos os gostos

O elemento crucial no cálculo do valor intrínseco da Natura é estabelecer uma previsão para crescimento do lucro durante a próxima década.

Já analisamos, na seção anterior, o registro histórico de lucros e receitas da empresa. Devido a sua inconsistência descartamos a série de lucros como base para uma previsão futura. Com relação às receitas brutas estimamos uma taxa de expansão histórica de 12,3% aa. Vimos que as taxas de expansão ocupam, grosseiramente, uma faixa de 7-24%. Há mais um dado: as receitas do setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos têm expandido a cerca de 9% aa, em termos reais, ao longo dos últimos anos. Há taxas para todos os gostos!

Mudanças nas condições operacionais

As condições operacionais observadas no passado serão mantidas no futuro? Não, porque a empresa está embarcando em um programa ambicioso de expansão global. É animador saber que a primeira etapa das novas operações, visando Argentina, Chile e Peru, alcançaram break-even em 2007. Agora precisamos ver os lucros. Em nossa estimativa do valor intrínseco da empresa, no entanto, vamos simplesmente supor que a expansão internacional permitirá uma continuação do crescimento histórico.

Máximo de pessimismo

Nessa base, e olhando os dados no penúltimo parágrafo, não seria demasiadamente ousado a adoção de uma taxa e crescimento de receitas de 10% aa para a próxima década - 2 pp abaixo da taxa histórica da Natura. Mas com o crescimento da receita desacelerando ao longo de 2007 precisamos ser mais pessimista. Para nós o máximo do pessimismo seria adotar a pior taxa anual do registro histórico. Assim, supondo que a queda de 1999 foi fruto de um evento extraordinário, vamos escolher a taxa de 7% aa. Finalmente, vamos extrapolar e supor que essa taxa também serve para o crescimento de lucro.

Margem de segurança de 52%

As outras premissas para estimarmos o preço intrínseco da ação da Natura são: lucro base de R$ 431MM para o fim de 2007, obtido pela simples anualização do resultado de 9 meses; payout de 63%; taxa de desconto de 8,5%, aproximadamente 1 pp acima da taxa da NTN-B de 10 anos; e crescimento de lucro de 5% aa a partir do décimo primeiro ano.

Inserindo as premissas em nosso programa Value obtemos um preço intrínseco de R$ 22,40 para a Natura, 52% acima do preço de mercado (em outras palavras o preço de mercado apresenta desconto de 34%). Levando em conta o fato que as premissas estão muito conservadoras é uma margem de segurança atraente.

Premissas e Resultados



                                                 A       
                                                          
                        Taxa de Desconto:       8,5    
                       Lucro Base (R$MM):       431    
             Taxa de Crescimento 10 anos:      7,0%    
            Taxa de Crescimento Perpétua:      5,0%    
                                  Payout:       63%    
                                                              
      Valor de Mercado da Empresa (R$MM):      6303    
      Valor Intrínseco da Empresa (R$MM):      9604    
                        Preço Atual (R$):     14,70    
                   Preco Intrínseco (R$):     22,40    
                     Margem de Seguranca:       52%    
                                Desconto:       34%    
                                                          
  A = Crescimento conservador  
                                                          

Discussão

Convergência de análises

O desconto de 32% estimado no Cálculo do Valor Intrínseco é da mesma ordem de grandeza do desconto de mais de 50% obtido na Análise de Múltiplos: há convergência das duas análises.

Administrar crescimento é problema

Estamos intrigados pelo padrão de crescimento apresentado no registro histórico de receita da Natura. Temos uma taxa de 28% em 1996, uma média de por volta de 7% aa de 1997 a 2002, uma média de 21% de 2003 a 2006, e, em 2007 uma taxa de cerca de 7%. Parece um padrão onde fases de forte crescimento são intercaladas com fases de crescimento bem menor.

Só temos dados para o crescimento das vendas totais do setor para os últimos 6 anos mas durante este período não observamos muito correspondência com a variação das vendas da Natura. Suspeitamos, então, que o padrão destas últimas é evidência que a administração da Natura não consegue administrar satisfatoriamente o rápido crescimento da empresa. A redução do programa de investimento de 2007 parece outro indício desse problema.

Se essa suspeita representar crítica à administração da empresa é também animador para o investidor neste momento: porque sugere que a desaceleração de crescimento atual será seguida por uma fase de expansão mais vigorosa. E com esse enfoque os comentários da empresa sobre "momento de consolidação" e "novo ciclo de crescimento" fazem mais sentido.

Crescimento acima de 15% não é sustentável

Possivelmente podemos tirar uma lição mais geral sobre o imbróglio da Natura. Para a grande maioria das empresas uma taxa de crescimento real acima de 15% não é sustentável. Reconhecemos isso no caso da Natura mas esperamos uma diminuição suave da taxa em vez da redução repentina que de fato aconteceu.

Compras espaçadas

Temos uma margem de segurança atraente mas não há qualquer garantia que a deterioração nos resultados da Natura já tenha chegado ao fim; podemos ver novas quedas no preço da ação. E ainda por cima há boatos - difíceis de acreditar, de nova emissão de ações. Assim parece sensato espaçar as compras ao longo dos próximos meses - sem deixar de aproveitar do baixo preço atual.

Conclusões e Recomendação

Parece que as fortes variações no patamar de crescimento histórico têm confundido investidores: a euforia injustificada que seguiu a Oferta Pública Inicial em 2004 foi substituída por um pessimismo exagerado perante a desaceleração de crescimento em 2007.

Embora os resultados recentes sejam, de fato, preocupantes, é provável, como assegura a empresa, que se trata de uma fase de consolidação após um período de forte expansão: não podemos ignorar 12 anos de bom crescimento médio de receita.

Se adotarmos uma premissa de crescimento futuro de lucro bastante conservadora encontramos um preço intrínseco 52% acima do preço de mercado. É uma margem de segurança atraente.

Recomendamos a compra da Natura para carteiras diversificadas com horizonte de longo prazo (2-5 anos) mas sugerimos espaçar as compras - há a possibilidade que a deterioração nos resultados ainda não tenha terminado e há boato circulando - difícil de acreditar - que a empresa pretende nova emissão de ações.

Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação mantém uma pequena posição das ações da Natura.

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