RAIO-X DA EMPRESA
Mahle-Metal Leve: rentabilidade e desaceleração
Preço: 03/02/03
Preço da PN por 1000 ações: R$ 59,00 Número de ações: 9136,07 M
Setor: Veículos e Peças Produtos/Serviços Principais: Pistões e bronzinas.

Introdução

Participante da problemática indústria automobilística, e apresentando prejuízos ou resultados fracos durante metade dos últimos 10 anos, resistimos em analisar Mahle-Metal Leve. (Neste trabalho chamaremos a empresa de Metal Leve, nome usado na bolsa, para diferenciá-la de seu grupo controlador). Mas pressionados por nosso colega Sérgio, e pelo fato de o papel ter entrado no clube exclusivo dos TOP20 da 100MAIS, resolvemos procurar maiores informações sobre a empresa.

Tabela de Dados

                                                (dólares ajustados)
          
Ano            1994  1995  1996  1997  1998  1999  2000  2001  2002 2003P
=========================================================================
Receita Liq.    282   245   200   204   227   339   372   415   352     -
Lucro Liquido     5   -20   -50     3    -9    33    49    60    73    78
Pat.Liquido     187   177   113   107   126   158   183   205   250   250
-------------------------------------------------------------------------
Lucro/P.Liq.%   2.5 -11.5 -44.6   3.1  -6.8  20.6  26.5  29.3  29.2  31.0
Preco/Lucro x  43.6  -2.9  -0.7   7.7  -5.2   7.1   4.4   3.6   4.3   4.1
Preco/P.Liq.% 109.0  33.0  31.0  24.0  35.5 146.0 117.9 107.0 126.0 127.0
Margem Liq. %   1.7  -8.3 -25.1   1.7  -3.8   9.6  13.1  14.5  20.7     -
Yield (Divi/Preco) %                                                  7.4
Payout (Divi/Lucro) %                                                30.0
Liquidez Corrente x   -     -     -     -    1.69  1.68  2.13   0.0     -
Div.Liq/Pat.Liq. %    -     -     -     -       7     3     2   0.0     -
-------------------------------------------------------------------------
P - Projetado         Retorno/Patrimônio Liq baseado no ultimo PL disponível do ano (e não do
inicio  do ano); Preço/Lucro baseado no fim do ano para períodos encerrados e no preço atual
para períodos não encerrados; dados até  31/12/98  convertidos  em  US$ pelo câmbio do fim do
ano em questão, dados a partir de 31/12/98 convertidas pelo câmbio do 31/12/98 (US$1=R$1,21),
após reajustamento pela inflação. Somente as receitas e os indicadores financeiros se referem
aos balanços consolidados.

Descobrimos que sua associação com o grupo internacional Mahle, atual controlador e um dos três maiores do mundo em seus segmentos, é muito mais antiga que imaginávamos. Verificamos que a Metal Leve, além de dominar 70% do mercado no Brasil, já deriva mais da metade de suas receitas do exterior.

E encontramos evidências que a reviravolta de 1999 não foi um evento passageiro: a bela performance da empresa nos últimos 4 anos se deve tanto à desvalorização do real quanto à aquisição de controle de Metal Leve pelo grupo Mahle. Foram os custos mais baixos em termos de dólar que permitiram a plena utilização do grande duto de exportação aberto pelo novo controlador.

Com tudo isso, é necessário proceder com calma: nosso objetivo é um possível investimento e o passado operacional da empresa claramente não atende aos critérios preliminares estabelecidos pelo Value Investing. Vamos ver se há fatores positivos que atenuam as desvantagens.

História e Grupo

A Mahle começou suas atividades em Stuttgart, Alemanha, em 1920, dando partida à primeira linha de produção em série de pistões de liga leve no mundo em 1929.

Em 1950 Ernst Mahle se estabeleceu no Brasil, se tornando, ao lado de José Mindlin, um dos sócios fundadores da Metal Leve, criada em Cambuci (SP), no mesmo ano. A meta inicial da empresa era fabricar 220.000 pistões/ano. Quando Ernst Mahle voltou para a Alemanha em 1965, a Metal Leve continuava a atuar como licenciada da Mahle Gmbh da Alemanha.

Sob a presidência de José Mindlin a empresa iniciou uma trajetória de expansão. Em 1957, a linha de produção de pistões foi transferida para uma nova planta em Santo Amaro onde foi iniciada a fabricação de bronzinas. Em 1974, a empresa começou a atuar no segmento de sinterizados através de Metal Leve Produtos Sinterizados e, em 1978, junta à fábrica de Santo Amaro, foi estabelecido um Centro Tecnológico. Em 1981 houve nova mudança quando toda a produção de bronzinas foi deslocada para uma planta em São Bernardo do Campo, município-sede das grandes montadoras.

Em 1989, a empresa adquiriu a Bimetal, empresa do Rio de Janeiro que fabricava bronzinas, arruelas e buchas. No fim deste mesmo ano a Metal Leve já tinha atingido a capacidade para produzir, anualmente, 13MM pistões e 130MM bronzinas.

Também na década de 80 iniciou-se a fabricação nos Estados Unidos. Um Posto Avançado de Tecnologia foi implantado em Ann Arbor, Michigan, em 1988 e nos três anos seguintes a empresa, através de Metal Leve Inc, investiu em unidades de produção de pistões e bronzinas em Orangeburg e Sumter, Carolina do Sul, e em Greensburg, Indiana.

Foi em 1996 que a Mahle adquiriu controle de Metal Leve e no ano seguinte foram alienadas "a Metal Leve Inc e os ativos vinculados ao negócio de pistões articulados" para a empresa T&N Piston Group. Em contato recente com a empresa fomos informados que estes ativos compreederam todas as plantas operadas pela Metal Leve nos Estados Unidos. Em 1998, após a incorporação de Mahle Pistões e sua fábrica de pistões e bielas em Mogi Guaçu (SP), o nome da empresa foi mudando para Mahle-Metal Leve. No mesmo ano a sede social de Metal Leve foi transferida para Mogi Guaçu, sede também da controladora Mahle Indústria e Comércio.

No mesmo ano de 1998, a austríaca Miba Sinter International adquiriu 30% de Metal Leve Produtos Sinterizados, cuja razão social foi alterada para Mahle Metal Leve Miba Sinterizados. O saldo de 70% desta controlada representa, atualmente, o principal investimento de Metal Leve.

Em abril de 2002 foi aprovada a incorporação por Metal Leve de Mahle Sistemas de Filtração. E em outubro de 2002 a Mahle MMG, outro investimento importante de Metal Leve com participação de 30%, foi incorporada por Mahle Valve Train Brasil, como a alteração da razão social da incorporadora para Mahle MMG Indústria e Comércio.

O terceiro maior investimento da empresa é a Metal Leve International. Como sua controlada, a Metal Leve Inc, foi alienada em 1997, os ativos detidos por esta empresa são "exclusivamente financeiros".

Nos primeiros 9 meses de 2002 a eqüivalência patrimonial gerada pelos investimentos representava somente 11% do lucro líqüido da empresa, uma contribuição de importância reduzida. A Metal Leve International só não apresentou prejuízos devido à variação cambial positiva.

Controle e Administração

A Mahle exerce o controle de Metal Leve através de Mahle Indústria e Comércio que detém 83% das ações ordinárias. Esta empresa é subsidiária integral de Mahle Industriebeteiligungen da Alemanha. Outras 17% das ações ordinárias de Metal Leve estão nas mãos de Atlas Vermögensverwaltung-Gesellschaft, também da Alemanha.

De acordo com as informações submetidas à CVM no início de 2002, Franz Ludwig Reimer é o Diretor do Conselho enquanto Claus Hoppen é o Diretor-Presidente.

Produtos e Mercado

A Metal Leve atua, diretamente, ou através de subsidiárias, nas três áreas de negócios do grupo Mahle: Pistões e Componentes de Motores, Sistemas de Filtração e Sistemas de "Valve Train". Na primeira área, de longe a mais importante, a empresa produz pistões de ligas de alumínio, bielas, bronzinas e arruelas de encosto para motores de combustão interna. Os produtos das outras duas áreas de negócios, fabricados por subsidiárias, incluem filtros de ar, óleo e combustível, além de válvulas e acessórios.

Os componentes são fornecidos tanto às montadoras de automóveis, caminhões, tratores, etc., quanto ao mercado de peças de reposição e às indústrias de motores para aviação e motores estacionários.

Não encontramos - nem nas Demonstrações Financeiras, nem no site da empresa, nem nas informações fornecidas à CVM - dados referentes à produção e às vendas físicas. Só observamos que a empresa operava a somente 10% de ociosidade em 2001. Em contato com a empresa fomos informados que a mesma "não divulga dados referentes capacidades, quantidades e mercados por serem consideradas confidenciais".

Nos últimos anos as exportações da empresa têm contribuído com mais da metade de suas receitas totais. De fato, como muitos dos carros produzidos no Brasil com as peças da empresa são exportados também, a contribuição efetiva do mercado externo às receitas da Metal Leve é bem maior.

Observamos que o grupo Mahle é presente em Europa (60% de vendas), as Américas (29%) e Asia (11%).

Produzindo peças críticas de motores, a tecnologia detida pela Mahle representa uma barreira contra novas concorrentes. O fato de um dos quarto principais centros de pesquisa do grupo ser situado em São Paulo mostra a importância de suas operações no Brasil. Em resposta às tendências da globalização e concentração na indústria automotiva o grupo está começando a oferecer sistemas e módulos completos em lugar de componentes individuais.

Análise de Múltiplos

Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos de inflação e variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização. Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2003.

A Metal Leve apresentou resultados ruins de 1991 a 1998. Relatórios do período falam dos problemas causadas pela introdução do suprimento global de componentes pelas montadoras, pelo câmbio adverso, pela competitividade crescente, pelo aumento no custo de desenvolvimento, por novas formas de relacionamento entre montadoras e a indústria de autopeças, e ainda, em 1998, pela retração de vendas causada por desaquecimento econômico e juros altos.

São evidências tanto da natureza cíclica da indústria automotiva quanto de uma mudança estrutural no setor. São estas caraterísticas, junto com os efeitos da mudança de controle em 1996 e as grandes variações na taxa de câmbio durante a última década, que dificultam uma estimativa da taxa de crescimento histórica da empresa.

Após vários ajustes, chutamos que vendas se expandiram a cerca de 6% aa ao longo da década. Em relação a lucros, só observamos expansão contínua de 1999 a 2002. Impulsionado pelo colapso da moeda - que permite a milagrosa geração de novas receitas sem novos custos - o crescimento de lucro neste período apresentou uma insustentável taxa média de quase 30% aa.

Supondo a estabilização do câmbio, é nossa opinião que a taxa de crescimento nos próximos anos, tanto de vendas quanto lucros, não deva exceder 6%. Mais a frente, se a inflação não comprometer a nova competitividade da empresa, é razoável esperar uma aceleração nesta taxa em função de uma recuperação da economia mundial. Nestas condições Metal Leve poderá explorar ao máximo o sistema internacional de distribuição do grupo Mahle.

Como o período está permeado de prejuízos, não faz sentido tentar comparar os indicadores de mercado dos anos 1993-98 com os atuais em detalhe. É claro que a situação mudou radicalmente para melhor. Por outro lado, os dados mais recentes mostram que o Preço/Lucro e Preço/Patrimônio Líqüido de hoje não diferem substancialmente de seus níveis médios de 1999-02.

Ao comparar os indicadores atuais da empresa com os indicadores do mercado como um todo, verificamos que o Retorno sobre Patrimônio Líqüido da Metal Leve é quase três vezes o do mercado, enquanto o Preço/Patrimônio Líqüido ultrapassa o do mercado em menos de 20% e o Preço/Lucro apresenta um desconto de 60%. Atribuímos parte deste desconto à desconfiança em relação à continuação do desempenho excepcional dos últimos anos e parte à baixa liqüidez de negociação da ação (entre 1 e 2 transações por dia no último mês).

Podemos concluir que enquanto a ação de Metal Leve é claramente superior à média do mercado não há evidência que o preço atual do papel oferece grande desconto sobre seus níveis passados.

Passando para os indicadores financeiros, verificamos que a posição é absolutamente tranqüila: praticamente não há dívida.

Cálculo do Valor Intrínseco

Para calcular o valor da empresa trabalhamos em reais do fim de 2002. Adotamos como premissas um lucro base de R$107MM (a média de 2001 e o lucro estimado para 2002), payout de 30%, uma taxa de expansão de lucros reais de 7% aa na próxima década (a taxa de longo prazo mais 1%), caindo para 5% aa posteriormente, e uma taxa de desconto de 10,5% (a TJLP). Dá um valor intrínseco para a empresa de R$687MM, 27% acima do valor de mercado de R$539MM. É pouca Margem de Segurança para reduzir riscos e aumentar retornos.

Embora, face à competição de novas tecnologias (célula de combustível, carro elétrico), possa-se questionar a taxa em perpetuidade de 5%, em geral as premissas parecem razoavelmente conservadoras. O lucro base é 14% abaixo do lucro previsto para 2002 (de R$124MM). E supomos que a futura recuperação das economias da América do Sul, Europa e os Estados Unidos adicione 1% à taxa de expansão de longo prazo ao longo da próxima década.

Discussão

Mais uma vez o ponto mais crítico é a estimativa do crescimento de lucro na próxima década. Após a expansão que beirou 30% aa nos últimos 3 anos nossa premissa de 7% pode parece conservadorismo exagerado. Mas observe duas coisas. Primeiro, a maior parte da expansão se deve à conversão de dólares em reais a um câmbio cada vez mais favorável. Segundo, se nossa previsão para 2002 estiver correta, o impressionante crescimento recente do lucro, passando de 48% em 2000 para 22% em 2002, embute forte desaceleração.

Mesmo assim, observamos que a situação é marginal. Se adotarmos uma taxa de expansão de lucro de 8% aa obteremos um valor intrínseco de R$748MM. A associada Margem de Segurança de 39% começa a tornar interessante um investimento na empresa.

Outra questão é a reduzida transparência da empresa após sua aquisição pelo grupo Mahle. Além da não divulgação de dados físicas sobre capacidade, produção e vendas, há outras lacunas. Há poucas informações sobre as empresas controladas e coligadas. Dada a grande reestruturação societária promovida pelo Mahle desde 1996, este aspecto é importante. Por exemplo, só foi possível confirmar que todas as fábricas nos Estados Unidos tinham sido vendidas após entrar em contato com a empresa.

Conclusões e Recomendação

A aquisição pela multinacional Mahle e a desvalorização do real têm levado a rentabilidade de Metal Leve até um nível visto pela última vez somente em 1990. Se a inflação não atrapalhar, tudo indica que esta rentabilidade será mantida nos próximos anos.

Assim, mesmo no evento de uma retração maior na economia mundial, não esperamos a volta nos próximos anos dos prejuízos observados durante os anos 90. Por outro lado, com a economia mundial retraída e a indústria automotiva sob pressão, não é razoável prever um crescimento de lucro na próxima década muito acima do crescimento de vendas observados na última. Nossa premissa de 7% produz uma Margem de Segurança de 27%. Em outras palavras o valor do mercado da empresa apresenta um desconto de 21% como relação a seu valor intrínseco.

Em nossa opinião não é um desconto suficientemente grande para tornar a empresa um investimento atraente - particularmente quando levarmos em conta o risco evidenciado pelas dificuldades passadas, a baixa liqüidez de negociação do papel e a reduzida transparência da empresa.

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*Incorporação de Mahle MMG Indústria e Comércio: A Mahle-Metal Leve detinha cerca de 30% das ações ordinárias da Mahle MMG Indústria e Comércio. Em 16/01/03 a Mahle-Metal Leve adquiriu o saldo de 70%, visando a incorporação da nova controlada integral. (13/02/03).

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