RAIO-X DA EMPRESA |
Hypera Pharma: quando não investir
Código: HYPE3 Ibovespa: 104728 Valorização em 2019: 9,4% Setor: Médico
Como é de esperar de uma empresa em transformação radical, os últimos 11 anos exibem resultados mistos. Mas com retornos em alta nos últimos anos há a impressão que a mudança de foco dos negócios da Hypera está dando certa.
Mesmo assim deve-se questionar a qualidade de empreendedorismo que levou aos longos anos, aparentemente perdidos, de investimento e desinvestimento. Pior ainda são as alegadas ações de membros da administração ao tentar obter vantagens através do pagamento de propina a políticos.
A análise dos números - que reconhecemos possuírem baixa consistência - aponta a pouca atratividade das ações da Hypera como investimento. Dado às deficiências administrativas ficamos até surpresos com a ausência de um desconto maior.
Introdução
Nova encarnação
A Hypermarcas nunca fez parte de nossa base de dados: tivemos poucas informações da empresa e preferimos distância de uma empresa que, aparentemente, priorizava marcas sobre operações físicas. Recentemente, no entanto, um colaborador do site chamou nossa atenção para a nova encarnação da empresa como Hypera Pharma, entidade focada exclusivamente no setor farmacêutico.
Trajetória incomum
Análise preliminar sugeriu que a empresa não oferecia atratividade para um "value investor". Em particular, houve registro de dados históricos pouco consistente e a ameaça da aplicação de penalidades devido a pagamentos ilegais a políticos.
Mesmo assim, ficamos intrigados, tanto com a trajetória incomum da empresa e seu fundador, o goiano João Alves de Queiroz Filho, quanto com o problema que uma avaliação apresentava. Como é que uma modesta distribuidora de sal vira uma "Unilever brasileira" para depois se metamorfizar em uma das principais empresas farmacêuticas do país? E isso sem considerar os outros interesses atuais do "Júnior" em rádio, televisão, a internet e meios de pagamento.
Anti-análise
No fim resolvemos analisar a firma mesmo prevendo um desfecho negativo. Assim o estudo acaba parecendo uma anti-análise, um exercício sobre o que um investidor em valor não deve fazer!
Gráfico de Preço de 5 Anos
Tabela de Dados
Alerta
Alertamos que a Tabela de Dados acima é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação, variações cambiais e alterações no regime contábil. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" (explicados em nota abaixo da Tabela) para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.
Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2019, feita parcialmente por computador.
História
Ascensão e transformação da "Unilever brasileira"
1969 - A distribuidora goianiense de sal, Sal Cometa, fundada pelo pai de Queiroz Filho, o Júnior, maior acionista atual da Hypera Pharma
1970 - Iniciada a fabricação de Arisco, cuja receita do tempero (à base de sal, pimenta-do-reino, alho e cebolinha) foi dada à família Queiroz em pagamento de uma dívida
1978 - Nome da empresa mudado para a Arisco Produtos Alimentícios
2000 - A Arisco vendida à Refinações de Milho Brasil da americana Bestfoods, depois incorporada pela Unilever, por US$ 490 MM
2001 - Aquisição pela Monte Cristalina Part, empresa holding controlada por Queiroz Filho, da Prática Industrial, subsidiária da Unilever e detentora da marca Assolan
2003 - Denominação social da Prática alterada para Assolan Industrial
2007 - Denominação social da Assolan alterada para Hypermarcas Industrial
2008 - Hypermarcas listada em bolsa
2011 - Com a deterioração de resultados, a Hypermarcas, após operar como "uma das principais empresas no mercado de consumo no Brasil", muda a estratégia, iniciando a venda de ativos e marcas dos segmentos de menor rentabilidade e focando exclusivamente no setor farmacêutico
Cíclos por segmento:
2001-11 - Segmento de Limpeza: atuou nos segmentos de lã de aço, esponjas sintéticas, detergentes em pó, alienando os mesmos em 2011
2006-11 - Segmento de Alimentos: enfocou atomatados e vegetais, com as marcas Etti e Salsaretti entre outras, todas alienadas à Bunge Alimentos em 2011
2006-16 - Segmento de Beleza e Higiene Pessoal: operou através das marcas Éh, Monange, Paixão, Cenoura & Bronze, Bozzano, Biocolor e Risqué, Sanifill, Bitufo e York, encerrando suas atividades no segmento em 2016 com a venda de Cosméticos à Coty por R$ 3,8 BI
2009-16 - Segmento de Preservativos: atuou com as marcas Olla e Jontex, vendendo o negócio para a Reckitt Benckiser (Brasil) por R$ 706 MM
2009-17 - Segmento de Produtos Descartáveis: com fraldas descartáveis, absorventes higiênicos femininos, lenços umedecidos, produtos para incontinência e sabonetes infantis, operou com as marcas Pom Pom, Sapeka, Cremer-Disney, dentre outras, alienando as mesmas para o Ontex Group NV por R$ 1,0 BI
2007-18 - Setor farmacêutico: ao estabelecer presença relevante nos segmentos de medicamentos, incluindo produtos de prescrição médica, medicamentos isentos de prescrição, dermocosméticos, similares e genéricos, tornou-se "uma das empresas líderes nacional neste mercado"
Delação; acordo de leniência
2016 - Validada a delação premiada de ex-diretor, Nelson Mello, relativa ao pagamento de caixa dois a diversas campanhas políticas
2017 - Denominação social alterada para Hypera, com marca corporativa de Hypera Pharma
2018 - Lançados 70 novos produtos, principalmente nos mercados de Produtos de Prescrição e Consumer Health, mas também alguns medicamentos de maior complexidade no mercado de Genéricos e uma linha de suplementos vitamínicos em Similares
2019 - Solicitado pela PGR o cancelamento da delação premiada do ex-diretor Nelson Mello devido à alegada omissão de informações sobre os políticos beneficidos por propinas e a participaçao de Queiroz Filho, acionista majoritário da empresa.
Controle e Administração
Renúncia e assunção
Os principais acionistas sâo João Alves de Queiroz Filho com 21,42% dos papeis ordinários, Maiorem S.A. de C.V. com 14,77%, Fundo de Investimentos em Participações Votorantim Agem com 5,46%, e Mondrian Investment Partners Ltd com 5,05%.
Após a renúncia dos titulares João Alves de Queiroz Filho e Cláudio Bergamo dos Santos em 2018 (ver Operação Tira-Teima), a presidência do conselho de administração foi assumida por Luiz Eduardo Violland e a cadeira de diretor presidente por Breno Toledo Pires de Oliveira.
Grupo
Menos de 7% do resultado
Em 2018 a equivalência patrimonial representava menos de 7% do resultado da Hypera antes do resultado financeiro e tributos. Somente 4 empresas foram consolidadas:
- Cosmed Indústria de Cosméticos e Medicamentos SA (100% participação)
Negócio
Liderança em publicidade!
Embora duas das empresas do setor em nossa base restrita de dados possuam receitas maiores, a Hypera Pharma se descreve como "uma das maiores empresas farmacêuticas do Brasil ... presente em todos os segmentos relevantes do setor".
Significativamente, dado o foco tradicional em marcas, onde a firma lidera tanto o setor quanto o mercado é como anunciante no mercado de publicidade.
A empresa possui três unidades de negócios:
1 - Produtos de Prescrição:
Atua em Primary Care (Cuidados Básicos), comercializando, através da marca Mantecorp Farmasa, produtos como PredSim, Celestamine, Maxsulid, Diprospan, Mioflex-A e Addera D3. Dermocosméticos são vendidos sob a marca Mantecorp Skincare.
A unidade é suportada por uma equipe de visitação médica.
2 - Consumer Health:
A Hypera é líder no mercado de medicamentos isentos de prescrição com marcas como Apracur, Benegrip, Coristina, Doril, Engov, Epocler e Estomazil. A unidade também atua nos segmentos de nutricionais e suplementos vitamínicos com marcas como Tamarine, Vitasay, Biotônico Fontoura e Zero-Cal.
3 - Similares e Genéricos:
Chegando a mais de 80% dos lares do Brasil, a marca Neo Química, com carteira de mais de 400 produtos, é líder nos segmentos onde está presente. A produção da unidade está centralizada no "maior complexo operacional farmacêutico da América Latina", localizado em Anápolis, Goiás.
Desde 2017 a Hypera opera o Hynova, centro de pesquisa e desenvolvimento.
Últimos Resultados
Ano de 2018
Evolução de Resultados Consolidados
Sem crescimento real
O Relatório de Administração atribui o grande aumento no Custo de Vendas, principalmente, à desvalorização do real que afetou, presumivelmente, o custo de produtos importados.
Por sua vez, a expansão reduzida das Despesas Operacionais se deve, em grande parte, às Outras Receitas Operacionais, afetadas positivamente pelo "aluguel do centro de distribuição de consumo, além do empréstimo compulsório devolvido pela Eletrobrás".
Essencialmente, o grande crescimento do lucro líquido é resultado da fraca base de comparação de 2017, impactada por prejuízos com Operações Descontinuadas de desinvestimento. Se forem excluídas essas operações o crescimento, em termos reais, some.
Primeiro Semestre de 2019
Evolução de Resultados Consolidados
Efeitos extraordinários das duas mãos
A queda dramática da Receita Líquida se deve à redução em 1T19 quando a receita foi "impactada pela otimização de capital de giro realizada no 1T19, que resultou na redução das vendas em Produtos de Prescrição e Consumer Health com o objetivo de diminuir o nível de estoque desses produtos nos clientes da Companhia e, consequentemente, o prazo médio de recebimento da Companhia".
Na contramão houve grande entrada de Outras Receitas Operacionais em forma de créditos tributários. O valor praticamente neutraliza o efeito da queda da Receita Operacional.
Como pode ser observado, o resultado do semestre foi fortemente afetado por efeitos extraordinários das duas mãos.
Operação Tira-Teima
Investigações sem fim
Há copiosas informações na internet sobre a investigação de alegados atos de corrupção pelos administradores da Hypera. A cobertura se intensificou em 2016 com a delação de Nelson Mello, ex-diretor de relações institucionais. Resumimos abaixo uma seleção das notícias que marca as principais etapas dos processos. Não temos notícias do encerramento de nenhumas das investigações.
Delação premiada
Nelson Mello afirma em depoimento à Procurador Geral da Republicas (PGR) "que pagou R$ 30 MM a dois lobistas para efetuar repasses de propinas para senadores do PMDB, entre eles o presidente do Congresso Renan Calheiros, além de Romero Jucá e Eduardo Braga". Mello autorizou os pagamentos "por iniciativa própria". (Site do Valor Econômico 28/06/16)
Nelson Mello afirma ter pago R$ 3 MM para o operador de Eduardo Cunha com o objetivo de alterar uma MP de 2013. A mesma versava sobre o arrolamento de bens de contribuintes para pagar débitos com o Fisco. (Estadão 14/07/16)
Também em 2016, Nelson confessa, em acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), ter repassado R$ 26,4 MM a políticos em troca de futuro apoio a projetos de lei que poderiam beneficiar a companhia. (Site da Exame 19/07/18)
Acordo de delação de Nelson validado em junho de 2016 pela Suprema Corte. (Site G1 da Globo de 04/06/19)
Mandados de busca e apreensão
Houve questionamentos do motivo dos pagamentos efetuados pela Monte Cristalina, holding de Queiroz Filho, também princpal acionista da Hypermarcas, à JD Consultoria do ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu. De acordo com a Monte Cristalina os pagamentos visavam “análises mensais sobre o cenário político e econômico brasileiro”! (Site da Isto É 29/06/16)
Em abril de 2018, a Policia Federal, cumprindo mandados de busca e apreensão na Hypera e nas casas do presidente do conselho, Queiroz Filho e o diretor presidente Cláudio Bergamo, deflagra a Operação Tira-Teima. O objetivo era esclarecer a suspeita da participação da empresa no pagamento de propinas a políticos do MDB e do PSDB entre 2013 e 2015. (Site da Exame 19/07/18)
O Conselho de Administração aceita pedidos de afastamento voluntário do presidente do conselho Queiroz Filho e o diretor- presidente Cláudio Bergamo para "permitir ampla liberdade e completa isenção na apuração interna e nas investigações conduzidas pelas autoridades competentes". (Comunicado a Mercado da Hypera 20/04/18)
Acordo de leniência, ou nâo?
O MPF e negociadores da Hypera trabalham na costura de um acordo de leniência como o órgão apresentando à empresa a multa pretendida de R$ 2 BI. (Site do Valor Econômico 18/05/18)
A Hypera "esclarece aos seus acionistas e ao mercado que não há negociação em curso visando à celebração de acordo de leniência". (Comunicado a Mercado da Hypera 18/05/18)
Queiroz Filho, fundador da Hypermarcas, e seu principal executivo, Cláudio Bergamo, estão em negociações para fazer delação premiada. As conversas, tanto para a leniência quanto para a delação, contudo, ainda não estão fechadas. (Exame 13/07/18)
Delação premiada rescindida
O MPF informa a decisão de rescindir o acordo de colaboração premiada firmado por Nelson José de Mello. (site do MPF 4/06/19)
A razão alegada é a omissão de fatos para proteger Queiroz Filho. (O Globo 06/06/19)
E agora Júnior?
Análise de Múltiplos
De pouca utilidade
Preparamos abaixo uma análise dos indicadores da Hypera. Infelizmente é de pouca utilidade.
Primeiro, a base de comparação, os indicadores atuais da empresa, estão calculados a partir de um lucro contaminado por efeitos extraordinários.
Segundo, com a venda dos investimentos não farmacéuticos ao longo do período analisado houve constante mudança nas fontes de geração de lucro da empresa. Como resultado, os dados históricos não servem nem como base de comparação com os indicadores atuais da empresa, nem como referência para desempenho futuro.
Tabela de Análise: Descontos/Prêmios
Cálculo do Valor Intrínseco
Lucro base?
Como no caso da Análise de Múltiplos, o Cálculo do Valor Intrínseco carece de uma base estatística firme.
Quem ousaria dizer que o lucro de 2018, por exemplo, é um ponto de partida confiável para a curva de crescimento futuro da empresa? É suspeito, inclusive, que o mesmo representa o maior retorno sobre patrimônio dos 11 anos de dados históricos.
Crescimento futuro?
E como projetar esse crescimento com um passado inconsistente tanto em termos das atividades operacionais quanto nos resultados produzidos? Será que a empresa se manterá focado no setor farmacêutico? Ou mudará de estratégia de novo?
Encontramos somente duas fontes mais confiáveis de consulta. Há o "guidance" da empresa, do início do ano, de um lucro final de R$ 1.225 MM, representando aumento nominal de 8,4% para o período. E temos as previsões de 5 anos do IQVIA, instituição internacional de consultoria médica, para o setor farmacéutico doméstico, feitas em setembro de 2018. Elas imaginam expansão, também nominal, de 8,3% em 2019, caindo para 6,4% até 2022.
Isto é: estamos falando de um crescimento real de médio termo de 3% ou 4%.
Desconto some
Usando como lucro base o generoso resultado de 2018, um robusto crescimento de 10 anos de 4% aa, seguido de crescimento perpétuo de 2,5%, payout chutado de 50%, e taxa de desconto real de 5%, obtemos um preço intrínseco para a ação da Hypera de R$ 42,07, 21% acima do preço do mercado do papel de R$ 34,86, ou desconto de 17%. Se deduzirmos uma eventual multa máxima de R$ 2 BI (ver artigo do Valor Econômico de 18/05/180), ou aproximadamente R$ 3,00 por ação, o desconto cai para 12%.
Dado ao passado um tanto caótico da Hypera e os problemas judiciais que a empresa, seus ex-administradores e seu controlador enfrentam, é até surpreendente não encontrar um desconto maior com as premissas pouco conservadoras. De qualquer forma o cálculo precário tende a confirmar a pouca atratividade da empresa como investimento.
Tabela de Premissas e Resultados
Discussâo
Competência e prudência questionadas
Em primeiro lugar é necessário questionar a competência empresarial dos controladores da Hypera e seu antecessor Hypermarcas.
Parece falta de capacidade de avaliação comprar e vender centenas de marcas em pouco mais de uma década. A não ser que - e isso parece improvável - a ideia foi exatamente a de valorizar as marcas visando sua venda posterior com lucro, como no caso da Arisco. Ou será que é uma técnica de "destruição creativa"? Mas o que garante que a empresa não venderá seu negócio farmacêutico no futuro?
E indica grande imprudência arriscar penalidades legais sérias - tanto pessoais quanto societárias - comprar, conforme alegado, influência através do pagamento de caixa dois a políticos importantes.
De qualquer forma, o registro histórico indica que a mudança de foco aparentemente deu certo: após 7 anos de resultados negativos ou medíocres os últimos 4 anos exibem retornos bem razoáveis e dívida/patrimônio líquido em queda.
Conclusões e Recomendação
Como é de esperar de uma empresa em transformação radical, os últimos 11 anos exibem resultados mistos. O período mostra dois anos de prejuízos. Mas com retornos em alta nos últimos anos há a impressão que a mudança de foco dos negócios da Hypera está dando certa.
Mesmo assim deve-se questionar a qualidade de empreendedorismo que levou aos longos anos, aparentemente perdidos, de investimento e desinvestimento. Pior ainda são as alegadas ações de membros da administração ao tentar obter vantagens através do pagamento de propina a políticos.
Questões qualitativas à parte, a fria análise dos números - que reconhecemos possuírem baixa consistência, através do método do Fluxo de Caixa Descontado, aponta a pouca atratividade das ações da Hypera como investimento. Dado às deficiências administrativas comentadas acima ficamos até surpresos com a ausência de um desconto maior.
Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação não detém nenhuma posição da Hypera. Nem "long" nem "short"!
Mande sua opinião!
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