Quem Tem Medo do Preço Justo?

I - Não Venda uma Boa Empresa pelo Preço Justo!

Preço Justo não é Preço Máximo

A maioria das ações na Carteira Concentrada de Buffet, uma carteira com horizonte de longo prazo, composta de empresas de boa qualidade, chegou ao preço justo que estimamos. Apesar disso recomendamos a manutenção das ações. Porque?

O preço justo não é uma estimativa do preço máximo mas, nas palavras de Benjamin Graham, o "preço central" - o preço em volta do qual o preço de mercado oscila ao longo dos anos. O preço cotado em bolsa tanto pode ficar acima do preço justo, apresentando um prêmio, quanto abaixo configurando um desconto. E, como agora, os dois preços podem até coincidir, em um belo mas efêmero encontro entre a teoria e a prática.

Assim, a primeira razão para não vender uma ação quando a mesma atingir seu preço justo é porque é perfeitamente normal o preço de mercado passar deste ponto. Mas observe que o preço justo ainda é um ponto de referência muito importante: ao exceder esse preço a gravidade agindo sobre a ação começa a operar em direção contrária.

E não vamos menosprezar o preço de mercado. Embora caprichoso no curto prazo, no longo prazo seu julgamento é impiedoso. Benjamin Graham explica melhor: "No curto prazo o mercado de ações é uma máquina de votação; no longo prazo é uma máquina de pesagem".

Preço justo caminha para cima

Há outras caraterísticas importantes do preço justo. Como é uma estimativa, estabelecida a partir de uma avaliação em boa parte subjetiva, ele não ocupa uma posição certa mas uma faixa de possível valores. Pior, essa faixa não fica parada. Na medida que novas informações são processadas por analistas ela se desloca no tempo. E no caso de uma empresa de crescimento de lucro sustentado, na medida que o período de alto crescimento for prolongado a tendência da faixa é caminhar para cima.

Temos assim uma segunda razão para não vender uma empresa de qualidade pelo preço justo: há boa possibilidade de seu preço justo aumentar ao longo do tempo - sempre acompanhado pelas oscilações do preço de mercado.

Retorno no preço justo continua bom

Finalmente há a questão do retorno oferecido pela ação a seu preço justo. No caso de nossas ações, em função de uma premissa adotada no cálculo do preço justo, temos um retorno teórico de pelo menos 10% em dólar, entre dividendos e ganho de capital. É comparável com o rendimento previsto para a renda fixa em 2004.

Sozinho esse retorno pode não ser justificativa suficiente para manter o papel, mas ele estabelece um patamar de retorno mínimo enquanto o investidor esperar o prêmio que uma boa empresa merece.

II - Mas Quando é para Vender uma Boa Empresa?

Se chegada ao preço justo não é sinal de venda para uma boa empresa, em quais circunstâncias devemos pensar em nos desfazer de uma empresa deste tipo?

1 - Quando oferece bom prêmio

Ao procurar descontos o investidor tem à sua disposição a bolsa inteira. Mas os únicos prêmios que o interessam são os das poucas ações em sua carteira. Em conseqüência o investidor tem mais chance em encontrar descontos que obter prêmios.

De que maneira ele pode administrar essa situação? Ele pode exigir grandes descontos e ficar satisfeito com pequenos prêmios. Mas o prêmio não pode ser tão pequeno assim: se a empresa foi escolhida por suas grandes qualidades como bom investimento de longo prazo não é razoável passá-la para frente sem certa resistência.

Normalmente um desconto de um terço com relação ao preço justo (uma "margem de segurança" de 50%) é considerado atraente para um investidor procurando oportunidades. Assim parece razoável só vender uma boa empresa se seu preço de mercado oferecer um prêmio de 15-20%. No caso das análises de Ação&Reação, que sempre empregam premissas conservadoras, parece apropriado o limite superior dessa faixa.

O investidor pode pensar em vender uma boa ação com a esperança de recomprá-la, mais tarde, a preço menor. É sempre possível, mas a experiência ensina que boas ações relutam muito em cair. Mais uma razão para não vendê-las barato.

2 - Quando existe uma empresa melhor

Mas há uma situação onde o investidor pode se despedir de um bom papel com certa despreocupação: quando encontrou uma outra ação de uma empresa igualmente boa mas disponível com desconto bem maior.

Não dá para se animar muito com essa estratégia. Uma carteira "concentrada" de boas ações não surge da vontade do investidor em limitar a diversificação. É conseqüência de um fato da vida: há poucas ações de qualidade e pouquíssimas disponíveis com bom desconto.

3 - Quando é preciso repor a renda fixa

Finalmente, há a questão do controle de risco através da alocação de fundos: a necessidade periódica de corrigir desequilíbrios entre a renda variável e renda fixa.

A renda fixa é o complemento ideal para a renda variável. Embora normalmente forneça um rendimento mínimo é, em certas épocas, extremamente rentável, freqüentemente atenuando o desempenho desfavorável da bolsa de valores. É também uma fonte importante de fundos tanto para fazer frente a imprevistos pessoais quanto para tirar proveito de novas oportunidades surgidas na bolsa.

Em princípio Benjamin Graham recomenda que a renda fixa deva representar, em média, 50% da carteira. Mas ele "flexibiliza" esse critério no caso de investidores mais sofisticados, sugerindo uma porcentagem entre 25% e 75%, dependendo das perspectivas da bolsa.

Temos aqui a terceira razão para vender uma empresa boa: para repor a porcentagem predefinida de renda fixa após a valorização do componente acionário da carteira.

Roger John Maudsley
4/09/03

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