Análise de Múltiplos
Alerta
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação e das variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.
Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2009, feita parcialmente por computador. Por razões de espaço exibimos somente 10 anos da Tabela, que vai de 1997 a 2009 (13 anos).
Melhoras progressivas
A tendência até agora observada no registro histórico é clara: melhoras progressivas em receitas, lucros, retornos e margens, a partir da privatização em 1999, geraram um aumento relativamente constante no indicador preço/patrimônio líquido.
Desconto de um terço?
Embora haja distorções causadas pela redução gradual no valor do patrimônio líquido ao longo do período, não há dúvida que o crescimento do retorno sobre patrimônio líquido ultrapassa significativamente o do preço/patrimônio líquido.
Com relação ao P/L, devido à dispersão dos dados históricos, e ao fato que o indicador atual é uma projeção de lucro para um período cheio de incertezas, comparação com seus níveis no passado não faz muito sentido.
Mas comparação dos indicadores atuais com as médias de nossa base de dados também sugere que o preço da ação é atraente. Enquanto o preço/patrimônio líquido atual da Comgás é 64% acima da média de "mercado" de 209%, o retorno esperado é 144% acima do mercado de 16%, e o P/L 35% abaixo do mercado de 13,5x. O yield de dividendo, no entanto, é 15% abaixo do mercado de 3,3%.
Em resumo, existe evidências, um tanto precárias, que o preço da ação da Comgás apresenta um desconto de até um terço atualmente.
Sinais de alerta
Continuando a análise da seção anterior, a situação financeira acende mais sinais de alerta, com indicadores de solvência e liquidez bem distantes das médias de nossa base.
Além de estar alto, outro aspecto do indicador dívida líquida/patrimônio líquido é sua deterioração gradual desde 2000.
O lado positivo da questão é a alta rentabilidade da empresa. Com um retorno de 39%, mais o dinheiro em caixa, dá para pagar toda a dívida em 3 anos e meio. Aliás, como sugerimos na seção anterior, é possível que haja relação entre a alta rentabilidade e a alta taxa de endividamento, isto é: um patrimônio líquido baixo.
Cálculo do Valor Intrínseco
Note: Ao desenvolver nossa premissa para o lucro base, necessária na aplicação do Método de Fluxo de Caixa Descontado que empregamos, usamos a mesma sistemática adotada nas análises recentes da Vale do Rio Doce e Weg:
Sabendo que teremos queda de lucro em 2009, definimos o lucro deste ano com o ponto de partida para o período de crescimento acelerado. Como a aplicação precisa de um lucro base para 2008, e não 2009, dividimos o valor por 1 + taxa de crescimento acelerado para retroagimos o valor para 2008.
Rentabilidade já foi otimizada
Considerando os anos a partir de 2000 - o primeiro ano completo após a privatização - temos a receita crescendo a cerca de 17,0% aa e o lucro a 27,5% aa. No mesmo período o fornecimento físico de gás subiu por volta de 13% aa.
Como referência para estimar a performance futura, podemos ignorar o desempenho do lucro: além da disparidade com respeito da receita e do fornecimento, a melhora e subsequente estabilização da margem líquida mostram que houve um período de otimização de rentabilidade que agora se encerrou.
Infelizmente, inflada pela alta no preços de gás nos últimos anos, a taxa de expansão de receita também apresenta problemas como base para prever o futuro.
Expansão no volume vendido desacelera
Aliás, tanto quanto as boas médias de crescimento, o que chama a atenção nos dados históricos (ver Tabela de Dados) é a queda quase contínua na taxa de expansão do volume de gás vendido. Começando com 31,6% em 2002 a taxa cai para somente 3,6% em 2008.
Entre as possíveis explicações da desaceleração temos: a insegurança política associada ao fornecimento boliviano; o crescente preço do combustível; a redução no valor dos investimentos (induzida pelo endividamento crescente?); o novo foco no mercado residencial - onde expansão é mais lenta; e, na segunda metade de 2008, a retração econômica.
Como não sabemos a razão específica da desaceleração é difícil saber se a baixa expansão atual é pontual ou representa um novo patamar de desempenho. Certamente, o desempenho atual da Comgás contrasta frontalmente com a projeção da Petrobrás de que o consumo de gás natural expandirá a 18,5% aa até 2013 (ver a seção Negócio)!
Retração seguida por crescimento
Como vamos usar esses dados para tentar prever o crescimento da empresa durante a próxima década?
Primeiro, dividimos os próximos 10 anos em duas fases: uma retração inicial causada pela crise econômica, e o crescimento "normal" após vencida a fase inicial.
Segundo, ao tentar projetar o crescimento futuro de lucro, estamos obrigados - pelas distorções apontadas acima em receitas e lucros - a priorizar o comportamento do volume de gás vendido.
Chutamos, levando em conta o tamanho da queda de volume observado no quarto trimestre de 2008, que o lucro da Comgás cairá para R$ 443MM em 2009, 14% abaixo do nível de 2008 de R$ 514MM.
Margem de segurança começa em +29% ..
A partir de 2009 vamos supor uma taxa de crescimento "acelerada" de 5% aa até o fim da década. Aqui temos em mente o crescimento médio de volume vendido observado em 2007 e 2008. Baseada nos dados históricos e no panorama setorial, acreditamos que esta taxa seja facilmente atingida pela empresa em condições normais. Após o fim da década imaginamos a taxa caindo para 4% aa, em perpetuidade.
Para obter o lucro base em 2008 precisamos retroceder o lucro de 2009 pela taxa de expansão de 5%. Assim o lucro base é R$ 422MM (443/1,05). Adotamos um payout de 37% e uma taxa de desconto de 7,5%, meio per cento abaixo dos juros da NTN-B de 2020.
Inserindo as premissas em nosso programa Value obtemos um preço intrínseco de R$ 42,07, 29% acima do preço de mercado atual (Coluna A na Tabela abaixo).
... a acaba em -13%!
Procurando meios de aumentar a margem de segurança, tentamos viabilizar uma flexibilização das premissas. No processo acabamos encontrando o contrário: uma razão para apertar uma premissa.
Ao analisar o payout descobrimos que a porcentagem que usamos parece refletir uma política de dividendos que agora mudou. Para os últimos 5 anos, começando com 2008, encontramos as seguintes cifras: 25%, 24%, 26%, 63%, 63%. Agindo conservadoramente, é inevitável substituirmos o payout de 37% usado pela média de 25% dos últimos três anos.
Com esta modificação o preço intrínseco cai para R$ 28,42, 13% abaixo o preço de mercado atual! (Coluna B) Outra coisa: será que a redução do payout não tem alguma coisa a ver com o aumento no endividamento líquido?
Só crescimento inviável produz margem de 50%
Pode ser argumentado que a premissa para a taxa de crescimento acelerado está baixa demais. Fizemos iterações com o programa Value para descobrir a taxa que produziria a margem de segurança desejada de 50% (ou desconto de um terço). É 12,6% aa, uma taxa que consideramos excessivamente otimista (Coluna C).
Finalmente, em vez de uma queda no lucro de de 14% em 2009, vamos simular o efeito de uma queda de 7% para R$ 480MM. Dá um lucro base de R$ 457MM. Com a nova premissa precisamos de crescimento acelerado de 11,5% aa para obter uma margem de segurança de 50% (Coluna D). É ainda uma taxa no limite das possibilidades.
Tabela de Premissas e Resultados
A B C D
Taxa de Desconto: 7,5% 7,5 7,5% 7,5%
Lucro Base (R$MM): 422 422 393,4 430
Taxa de Crescimento 10 anos: 5% 5% 12,6% 11,5%
Taxa de Crescimento Perpétuo: 4% 4% 4% 4%
Payout: 37% 25% 25% 25%
Valor de Mercado da Empresa (R$MM): 3912 3912 3912 3912
Valor Intrínseco da Empresa (R$MM): 5041 3406 5866 5876
Preço Atual (R$): 32,65 32,65 32,65 32,65
Preço Intrínseco (R$): 42,07 28,42 48,96 49,04
Margem de Segurança: 29% -13% 50% 50%
Desconto: 22% -15% 33% 33%
A = Payout de 37%
B = Payout de 25% - mais provável?
C = Crescimento acelerado de 11,7%
D = Crescimento acelerado de 10,7%
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Discussão
Preço desconta posição financeira?
Como conciliar o resultado da Análise de Múltiplos, que sugere um "desconto até um terço", com o Cálculo do Valor Intrínseco onde só se verifica um desconto deste nível com um crescimento de lucro considerado inviável?
Pela primeira vez, não conseguimos! Só vimos duas alternativas, ambas improváveis: ou o desempenho do mercado será melhor do que prevemos no futuro, jogando o P/L para baixo; ou o desempenho da Comgás será pior do que imaginamos, empurrando o P/L da empresa para cima. Será que os investidores estão descontando do preço da Comgás sua problemática posição financeira?
Caso enigmático
A Comgás é um caso enigmático. A empresa possui um mercado atraente; seu produto possui vantagens em termos de impacto ambiental; sua rede é conectada a imensas reservas bolivianas; outras grandes reservas estão sendo desenvolvidas no Brasil; os controladores são "players" internacionais de grande experiência.
Mas com tudo isso a seu favor os dados físico-financeiros históricos da empresa, considerados conservadoramente, não avalizam um retorno atraente para o investidor no futuro.
Camisa de força
Não temos uma explicação definitiva para a desaceleração no crescimento físico, mas revendo a análise o que chama atenção é a conjuntura de alto endividamento líquido, forte queda no payout e investimentos estabilizados. E parece claro que o endividamento excessivo se deve à combinação do investimento pesado e o payout alto.
Assim, conjeturamos que a desaceleração da expansão física é consequência das medidas tomadas - a redução do payout e contenção do investimento - para combater a camisa de força financeira.
Vale destacar como a fraca comunicação social acaba prejudicando a empresa. Mais informações sobre essas e outras questões poderiam tranquilizar investidores em potencial. Mas, controlando 78% de todas as ações da empresa, há a impressão que os controladores não têm as relações com investidores minoritários entre suas prioridades.
Conclusões e Recomendação
A Comgás possui uma concessão atraente e comercializa um produto de reduzido impacto ambiental. Sua rede é conectada às imensas reservas bolivianas de gás enquanto outras grandes reservas estão sendo desenvolvidas no Brasil. E seus controladores são "players" internacionais de grande experiência.
Desde sua privatização em 1999, a empresa tem mostrado melhora progressiva em receitas, lucros, retornos e margens. O problema é a desaceleração, igualmente progressiva, na taxa de expansão do volume de gás fornecido ao longo do últimos 7 anos. Como desconhecemos a causa não sabemos se esta última tendência é significativa. Mas não podemos ignorá-la.
Usando o Método de Fluxo de Caixa Descontado e premissas conservadoras obtemos um preço intrínseco de R$ 28,40, abaixo, portanto do preço atual de mercado.
Como o resultado da Análise de Múltiplos sugere que as premissas usadas na estimativa do preço intrínseco sejam excessivamente conservadoras, simulamos taxas de crescimento maiores. O estudo mostrou que somente uma taxa de pelo menos 11,5 aa de 2010 a 2019 produz a margem de segurança desejada de 50% (ou desconto de um terço). Como consideramos essa taxa otimista demais não recomendamos a compra das ações da empresa ao preço atual.
Embora o lucro de 2008 ofereça boa cobertura de despesas financeiras há fortes sinais que o alto endividamento e baixa liquidez da empresa estejam asfixiando o crescimento da empresa.
Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação não detém, neste momento, ações da Comgás.
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