RAIO-X EXPRESS DA EMPRESA |
Celesc: "não tem gestão nenhuma - é uma empresa gerida por interesses políticos"*
*Palavras do ex-conselheiro Lirio Parisotto em entrevista ao Diário Catarinense em 21/07/09
Código: CLSC6
Último Resultado: 2o Trimestre de 2009
O registro histórico da Celesc mostra bom crescimento de receita mas geração de lucros altamente inconsistente. Agora tanto a pressão da agência reguladora ANEEL para melhorias, quanto a divulgação de "carta bomba" do ex-conselheiro Lirio Parisotto, parecem tornar inevitável uma mudança nas práticas anti-econômicas da empresa.
Infelizmente, a análise deixa claro que nenhum cenário realista de recuperação oferece um retorno ao investidor condizente com o risco do mesmo não se concretizar na prática.
Assim, não recomendamos compra das ações da empresa.
Introdução
Fundo do poço?
Não esperávamos encontrar tão bem posicionadas várias das ações que atualmente ocupam os primeiros lugares de nossa 100MAIS. É resultado das limitações do algoritmo de classificação; ou a Sid Nacional, a Eternit e a Celesc, por exemplo, merecem suas boas colocações?
Alertado por um amigo do site, uma olhada preliminar sugeriu que é a atordoada Celesc que oferece a melhor oportunidade de investimento. De onde é melhor uma empresa iniciar uma recuperação se não do fundo do poço?
No estudo que segue não é nosso objetivo analisar a Celesc em detalhe, mas tentar avaliar no menor espaço possível a real atratividade de suas ações. Nesse trabalho recebemos ajuda de uma direção inesperada.
Tabela de Dados
Últimos Resultados
Ano de 2008
Aumento de receita se deve à SCGÁS
Ao analisar os resultados de 2008 é importante levar em conta duas operações. Primeira, a venda dos ativos da Machadinho Energética SA - MAESA em março de 2007, que aumentou o lucro líquido deste ano em R$ 54,7MM. Desconsiderando este efeito não recorrente o retorno sobre patrimônio líquido de 2007 cai de 23,8% para 20,0%.
Segunda, a compra de controle da Cia de Gás de Santa Catarina - SCGÁS em setembro de 2007 que teve impacto significativo sobre vendas e custos em 2008.
Assim, verificamos que praticamente todo o aumento de 7,7% na receita bruta consolidada de 2008 é explicado pela aquisição da SCGÁS (embora também tenha havido alguma perda da receita devido à venda da MAESA).
É a tarifa!
A empresa explica a estagnação financeira de suas atividades de energia elétrica pelo desaquecimento da economia no final do período, provocada tanto pela crise internacional quanto pelos enchentes em novembro no Vale do Itajaí, segundo maior parque industrial de Santa Catarina. Mas como o consumo de eletricidade cresceu 7% sobre o ano anterior parece claro que o fator mais importante foi mesmo a queda de 3,4% na tarifa média a partir de agosto.
Aqui é importante observar que uma queda nominal de 3,4% implica em uma queda "real" de cerca de 8% se levarmos em conta a não correção de efeitos inflacionários ao longo de um ano.
Custo de vendas salta 18,2%; despesas operacionais caem 24,3%!
Agora o custo de vendas saltou impressionantes 18,2% em 2008. Como explicação a empresa cita o impacto da valorização do dólar sobre os preços dolarizados do gás natural comprado pela SCGÁS e sobre a energia elétrica adquirida da usina de Itaipú.
Estranhamente as despesas operacionais, líquidas do resultado financeiro, caíram 24,3%, em boa parte devido à queda nas despesas com vendas. A empresa não comenta o assunto no Relatório da Administração.
Queda de 25,3% no lucro líquido
Como o impacto da alta no custo de vendas é bem maior que o da queda nas despesas operacionais, houve redução de 25,3% no lucro líquido do ano.
O retorno sobre o patrimônio líquido do fim do ano é 15,8%, abaixo, portanto, do retorno de 20,0% de 2007 após a retirada do ganho não recorrente.
Posição financeira suscita dúvidas
Com a empresa apresentando caixa líquido nos dois últimos anos sua posição financeira parece tranquila. No entanto paira uma dúvida sobre a dívida de R$ 40MM junto ao Estado de Santa Catarina. Como foram capitalizados em 2008 há a impressão que o Estado não está pagando os juros.
A Demonstração dos Fluxos de Caixa suscitam duas observações. Parte dos investimentos em 2007 foi financiada por "Adiantamento para futuro aumento de capital" de R$ 373MM. Não possuímos outras informações sobre este adiantamento.
E, em 2008, não houve entrada significativa de empréstimos para financiar os investimentos com o resultado que a fonte principal dos fundos foi o caixa da empresa. Não sabemos até que ponto essa situação reflete dificuldades em levantar fundos.
Primeiro Semestre de 2009
Estagnação de receita continua
Embora o consumo de energia elétrica tenha subido 7,8% com relação a 12 meses atrás, houve aumento de somente 0,9% na receita bruta no período. De novo, se supõe que o principal responsável pela estagnação seja a queda na tarifa média.
Lucro despenca
Como houve aumentos de 4,2% nas deduções da receita, de 9,6% no custo de vendas e de 77,4% nas despesas operacionais (advindos, primariamente de uma recuperação das despesas com vendas) era inevitável uma grande retração no lucro líquido, que despencou 65,5% com relação ao primeiro semestre de 2007.
O retorno anualizado sobre o patrimônio líquido do fim de junho é de 8,9%, representando forte recuo com respeito aos 15,8% de 2008.
Comentário
Nos últimos 18 meses temos assistido a uma forte e progressiva queda de rentabilidade com respeito ao nível de retorno do período 2003 a 2007. A causa principal parece ser o reajuste negativo imposto pela ANEEL, a agência reguladora. Não temos os detalhes do reajuste mas o Relatório da Administração sugere que a queda se deve à "política de extinção dos subsídios cruzados, estabelecida pelo Governo Federal".
Mas também há menção no mesmo Relatório que a "desverticalização" das atividades de geração e distribuição da empresa no fim de 2006, com a criação das subsidiárias Celesc Geração e Celesc Distribuição, permitiu "conhecer os reais custos" da segunda empresa e "compará-los com o da Empresa de Referência estipulado pela ANEEL" (sic).
O resultado colocou a empresa "diante de um grande desafio, que deve ser vencido até 2012, quando acontecerá a nova revisão de seus custos". Em outras palavras, a estrutura de custos da Distribuidora é mais pesada que a da Empresa de Referência e será difícil eliminar a disparidade.
Controle e Administração
Chapa branca detém 89% das ações votantes
Conforme as Informações Anuais (IAN) de 2008 submetidas à CVM, a Celesc é controlada pelo Estado de Santa Catarina que detém 50,2% das ações ordinárias. Mas paraestatais - os fundos de pensão Previ (Banco de Brasil) e Celos (Celesc) - possuem adicionais 39%.
É interessante observar que, de acordo com as IAN, fundos de investimento da iniciativa privada (Geração, Tarpon, e Poland da Gradual) possuem 54,63% das ações preferenciais (embora, em aviso recente, a Gradual tenha comunicado a alienação de pequena parte de sua participação).
As mesmas IAN informam que Glauco José Côrte é o Presidente do Conselho e Sergio Rodrigues Alves o Diretor Presidente (e Conselheiro).
Grupo
Celesc é essencialmente distribuidora
Como resultado da "desverticalização" da estrutura societária em 2006, existe agora uma empresa de participações não operacional e duas subsidiárias operacionais integrais: Celesc Distribuição (91,6% do valor patrimonial do grupo) e Celesc Geração (5,9%).
Outros investimentos da "Holding" incluem participações de 51% nas ações ordinárias da Cia de Gás de Santa Catarina - SCGÁS (1,7% do valor patrimônial) e de 20% no capital da Empresa Catarinense de Transmissão de Energia - ECTC (0,08%).
Em outras palavras a Celesc é essencialmente uma distribuidora de eletricidade.
Carta Bomba e Entrevista
Lavagem de roupa suja
Avaliar a eficiência de uma empresa energética requer um trabalho demorado fora do escopo do estudo atual. Felizmente, tivemos acesso a uma "carta bomba" e várias entrevistas relacionadas que tratam do assunto. E as mesmas envolvem duas pessoas que têm excelente conhecimento de causa. A lavagem de roupa suja é educativa.
A primeira é Lirio Albino Parisotto, durante dois anos "Conselheiro Independente da Celesc indicado pelo Governo do Estado de Santa Catarina", e atualmente "maior investidor individual" da empresa (através do fundo da Geração). A segunda, Sergio Alves, é, desde 06/08/09, Diretor Presidente da Celesc.
Sergio Alves assumiu seu posto depois do pedido de demissão do presidente anterior, Eduardo Pinheiro Moreira, que resolveu se dedicar em tempo integral a sua outra função: a presidência da PMDB em Santa Catarina. É notável que a demissão tenha ocorrido em 07/07/09, depois, portanto, da apresentação da mencionada carta.
Política, política; negócios a parte
Não é nossa intenção comentar a situação política de Santa Catarina, da qual não temos nenhum conhecimento. Por outro lado, o fato do presidente anterior da empresa ser também presidente regional de um partido político é forte indício que o título desta análise não está distante da realidade.
Reproduzimos os principais pontos da carta e uma das entrevistas. Ao ler os mesmos é útil saber o que a agência reguladora, ANEEL, define como "Empresa de Referência":
"A simulação de uma empresa responsável pela operação e manutenção das instalações elétricas, gestão comercial de clientes e direção e administração da área geográfica da concessionária de distribuição em análise, que presta esses serviços
em condições de eficiência e adaptação econômica ao ambiente no qual desenvolve sua atividade."
"Registros do Conselheiro Lirio Albino Parisotto" datada de 27/04/09 e dirigida à Conselho de Administração da Celesc
"A Gestão (da Celesc) não é voltada para a geração de valor - em 2008, a subsidiária integral Celesc D se descolou ainda mais de sua Empresa de Referência, ... a EBITA real da Celesc D é 22% menor que seu EBITDA regulatório ... Em termos de custos gerenciáveis, a Celesc D opera com valores 51% superiores a sua empresa de referência ... valor muito superior ao de suas empresas comparáveis Coelce e Elektro..."
"Em 2008, a contribuição da Celesc D para o lucro das Celesc Holding foi de apenas R$ 132,822 MM, que comparado a um faturamento bruto de R$4,792 BI, para uma distribuidora de energia, é algo inaceitável, representando somente inacreditáveis 2,77% do seu faturamento. Não obstante tal fato, se tivéssemos feito todas as provisões para devedores duvidosos que a prudência e a boa gestão recomendam, teríamos tido prejuízo."
"Percebe-se, pois, que a qualificação da Diretoria Executiva está muito aquém do esperado para a uma Companhia desse porte .."
"Gestão de pessoal equivocada, com excesso de funcionários, chefias e horas extras e a tentativa da Diretoria Executiva de impor um plano de demissão voluntário equivocado, que sugere o dispêndio do equivalente a 50% (R$ 700MM) do valor da Companhia, comprovam a falta de rumo e comprometimento da mesma."
"A inadimplência era de inacreditáveis 3% nos últimos quatro anos, num setor que admite apenas 0,6% ...
"Assim, por discordar da forma de gestão desta Companhia e da orientação dada pelo seu Acionista Controlador e por entender que, a continuar o "status quo", a companhia caminha a passos largos à sua inviabilização, me afasto ...
Entrevista concedida em 27/07/09 por Sergio Alves (SA) ao Diário Catarinense (DC) sob o título pouco elegante "Pode ser referência, mas está inchada".
"DC: A empresa referência da Aneel tem 1,2 mil funcionários a menos e gastos até R$ 300 milhões inferiores aos da Celesc hoje. O desempenho da empresa referência é factível?
SA: É factível, embora a Celesc precise de muitos ajustes. Estamos trabalhando nisso. Temos até 2012, ou seja, seis semestres, para fazer o enquadramento da empresa. Isso já está sendo feito, com redução de gastos, controles voltados à inadimplência, prioridade de investimentos e adequação do quadro de lotação. Estamos fazendo um estudo para criar um Plano de Demissão Voluntária Programada (PDVP). ..."
"DC:? Isso significa que a Celesc está inchada?
SA:? A Celesc não tem seu quadro de lotação definido. Não sabemos ainda qual é o tamanho ideal da empresa. Pelo ângulo da empresa de referência, sem dúvida, ela está inchada ..."
"DC:? O Lírio Parisotto (o maior acionistas individual) diz que a Celesc não tem condições de investir? Ele está certo?
SA: Houve um contingenciamento no orçamento de 2009, de R$ 306 milhões, para R$ 206 milhões. Com a postergação de R$ 100 milhões em investimentos. Do ponto de vista do acionista, a forma de gestão, devo reconhecer, não está correspondendo - ou melhor, não estava - aos requisitos do nível corporativo 2."
Comentário
Não podemos deixar de comentar a posição de Sr. Lirio Parisotto. Por que alguém que considera que a Celesc "caminha .. à inviabilização" é o "maior investidor individual" da empresa? Só podemos concluir que ele aposta na recuperação da empresa. Com ele como catalizador! Também não podemos ignorar a possibilidade dele ser também motivado por uma agenda política.
De qualquer forma as informações de Parisotto, confirmadas em parte pelo Presidente do Conselho, apontam claramente os problemas sérios de gestão que estão impactando a rentabilidade da Celesc.
Análise de Múltiplos
Alerta de sempre
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos da inflação e das variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização.
Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2009, feita parcialmente por computador. Por razões de espaço exibimos somente 10 anos da Tabela, que vai de 1995 a 2009 (15 anos).
Retornos inconsistentes
O registro histórico dos lucros da empresa é altamente inconsistente. Desde 1995 houve 8 anos de retorno que mal passou dos 4%, três deles de prejuízo. De 2003 a 2007 o retorno subiu de patamar, atingindo uma média de pouco mais de 20%. E nos últimos 18 meses houve nova deterioração, com o retorno anualizado caindo para 9% em 2009. Com tanta variação no registro não faz muito sentido calcular o preço/lucro médio histórico.
Análise do preço/patrimônio parece oferecer mais possibilidades. Sua média de 11 anos (só temos indicadores de mercado a partir de 1998) é de 74%, não muito distante do nível atual de 82%. Mas não podemos esquecer que a média é puxada para baixo pelos baixos valores do indicador durante os 5 anos quando o retorno não passou de 4,3%, menos da metade do retorno até agora em 2009.
Em contrapartida, antes de 2008 houve outros 5 anos com retornos próximos de 20% e um preço/patrimônio líquido médio de 101%, 23% acima no nível atual.
Retorno de 33% em 3 anos?
A relação histórica, um tanto elástica, entre retorno sobre patrimônio líquido e preço/patrimônio sugere que podemos esperar um acréscimo de cerca de um quarto no segundo indicador no evento de a empresa aumentar seu retorno dos atuais 9% para 20%.
Devido aos fatos relatados acima, acreditamos que uma melhora é inevitável. Agora, é irrealista esperar um retorno sobre patrimônio acima de 20% nos próximos 3 anos. Isso significa que o melhor que podemos esperar nesse prazo é um aumento de aproximadamente um quarto no preço da ação. Juntando os dividendos do período, o retorno potencial no investimento é de cerca de 33%.
Consideramos este retorno baixo perante o risco significativo que o cenário positivo imaginado não ocorrerá.
Cálculo do Valor Intrínseco
Receita cresce a respeitáveis 6,7% aa
É interessante observar que a grande variabilidade no lucro histórico, comentada na seção anterior, não se repete no caso da receita líquida. A mesma se multiplicou quase duas vezes e meia desde 1995, um desempenho que equivale à respeitável taxa de crescimento anual de 6,7% aa, em termos reais.
Cenários possíveis produzem margens insuficientes
Como não temos dados históricos consistentes para ajudar na previsão de lucros futuros vamos inverter o processo e estimar, usando o Método de Fluxo de Caixa Descontado, a taxa de crescimento de lucro de 10 anos necessária para tornar atraente investimento na empresa.
Dado à grande dispersão dos resultados históricos da empresa precisamos de uma margem de segurança de pelo menos 50%. Usando o lucro efetivo anualizado do primeiro semestre de R$ 152MM, payout de 25%, crescimento perpétuo de lucro de 4,0% aa (a partir do décimo primeiro ano) e taxa de desconto de 7,1%, nosso programa VALUE dá a resposta: 10,1% (Cenário A na Tabela abaixo).
Como esta taxa é claramente inviável, fica claro que o lucro base - isto é: o retorno atual - é insuficiente.
Vamos agora supor que uma taxa de crescimento de lucro viável para a próxima década é 6% aa. Nesta base fazemos mais simulações para descobrir o lucro base necessário. A resposta é um lucro de R$ 212MM, equivalente a um retorno sobre o patrimônio líquido do meio do ano de 12,1%, um terço maior que o retorno atual (Cenário B na Tabela).
Concluímos que seria necessário um choque imediato de redução de custos para atingir um retorno de 12,1% no futuro próximo e tornar o investimento na empresa atraente. Como não vemos possibilidade disso no atual contexto de administração estadual e proximidade de eleições não recomendamos a compra das ações da Celesc
Tabela de Premissas e Resultados
Conclusões e Recomendação
O registro histórico da Celesc mostra bom crescimento de receita mas geração de lucros altamente inconsistente. A combinação da pressão da ANEEL para melhorias e o impacto da divulgação da "carta bomba" do ex-conselheiro Lirio Parisotto parecem tornar inevitável uma mudança nas práticas anti-econômicas da empresa.
Infelizmente, tanto a Análise de Múltiplos quanto as simulações efetuadas usando o Fluxo de Caixa Descontado deixam claro que nenhum cenário realista de recuperação oferece uma margem de segurança condizente com o risco do mesmo não se concretizar na prática.
Embora a situação financeira da empresa seja confortável à primeira vista, relatamos comentários de representantes graduados da empresa que sugerem dificuldades no financiamento de investimentos.
Não recomendamos a compra das ações da empresa.
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