Margem de segurança: a essência de investimento em ações

É proibido perder
Há duas regras de investimento diz Ben Graham. Regra 1: não perca; regra 2: não esqueça regra 1. Foi a lembrança da privação financeira duas vezes na vida que impregnou o fundador da análise de títulos financeiros (security analysis) com sua forte aversão ao risco, e que gerou seu conceito de margem de segurança.

Simplicidade ilusória
Há uma simplicidade ilusória neste conceito fundamental. Parece claro que ao comprar uma ação o investidor acredita que a chance de seu preço subir no futuro é substancial. Quer dizer sua decisão já embute, automaticamente, uma margem de segurança - se não, ele não efetuaria a compra. O que diferencia o conceito de Graham é o grande tamanho da margem que ele procurava e a relativa precisão de seu cálculo. Seu critério mais famoso era de investir em ações que valiam mais que o capital do giro da companhia - após deduzir todas as obrigações e ignorando o valor de imóveis, máquinas e equipamentos.

Valor de uma ação
Mas antes de considerar o conceito do Graham em mais detalhe vamos analisar um outro aspecto da questão. O valor teórico de uma ação - se supuséssemos que a firma em questão continuará em operação - é o valor hoje de todos as receitas a serem embolsadas durante a vida da companhia pelo detentor do papel. Um procedimento comum é de estimar os dividendos futuros e de ajustá-los por um fator para refletir o fato que dinheiro recebido hoje vale mais que dinheiro recebido no futuro. Por exemplo, se eu invisto um dividendo recebido hoje no poupança, o resultado desta aplicação excederá, pelo taxa de juros, um dividendo do mesmo valor recebido daqui um ano. De fato o fator de ajustamento, ou taxa de desconto, usado é uma taxa de juros, normalmente acrescido de um fator de risco.

Efeito borboleta
Assim, podemos ver que o valor teórico de uma ação depende da taxa de desconto escolhida e das estimativas de dividendos a serem pagos durante 10 ou mais anos no futuro. Como a taxa ideal é desconhecida (normalmente calculam-se valores para uma série de taxas) e a precisão dos projeções de dividendos depende da evolução favorável de uma multiplicidade de variáveis, o valor justo da ação terá, uma ampla faixa de possível valores. Pior, o efeito é alavancado: uma pequena variação na taxa de desconto ou na taxa de crescimento anual de vendas, por exemplo, produz uma grande variação na estimativa do valor justo da ação. Aí chegamos a uma justificativa convincente para um procedimento de investimento que emprega uma grande margem de segurança.

Bônus a analogia
O ponto de partida de Graham para descrever seu conceito é o procedimento usado para analisar o nível de risco de bônus. Aqui a margem de segurança pode ser representada, por exemplo, pelo número de vezes que o lucro da firma excede suas despesas fixas - que é uma medida de até onde pode cair o lucro antes que o serviço da dívida dos bônus seja posto em risco.

Ações têm margem natural ...
No caso de ações, compradas sob condições médias de mercado, é a capacidade de gerar retornos crescentes que constitui a margem de segurança. Graham dá o exemplo de um bônus americano produzindo juros anuais de 4% e uma ação de uma companhia com um retorno sobre seu preço (o inverso de preço/lucro ou "earnings yield") de 9% - que ele considerou uma situação típica nos Estados Unidos na época. Neste caso um acionista recebe um percentual extra de 5% por ano além do ganho do detentor do bônus (uma parte do qual seria recebida em forma de dividendo hoje e uma parte reinvestida para aumentar dividendos futuros). Repetido ao longo de 10 anos o acionista receberá um adicional de mais que 50% sobre o ganho do obrigacionista. (Imediatamente surge a pergunta: onde é a margem no Brasil com um bônus do governo a 40% e um "lucro/preço" de 17%. Vamos tentar responder isso no final do artigo.)

... Mas precisam de um pouco de ajuda
É isso a justificativa básica atrás do procedimento recomendado para o investidor passivo (descrito na AF do agosto e a ser repetido em novembro). Só que há importantes qualificações que aumentam ainda mais a margem de segurança. Em sua escolha de ações este investidor deve utilizar a técnica do "dollar-cost averaging", onde ele investe um valor igual a intervalos regulares, se limitar a firmas importantes em seu setor e respeitar um série de indicadores financeiros e de desempenho. Para minimizar o risco de mau desempenho em algumas das companhias escolhidas, ele deve diversificar seus investimentos entre 20 ou mais ações. Ele também enfatiza que, para ter uma adequada margem de segurança, a "cobertura" de despesas financeiras por lucro deve ser confirmada ao longo de vários anos.

Expansão geométrica de ações subvalorizadas
No caso do investidor agressivo em "grandes firma fora da moda" o procedimento é semelhante. Só que aqui, numa tentativa de conseguir um ganho acima da média, os critérios são ajustados para tentar identificar companhias cujo desempenho esteja temporariamente abaixo de sua média histórica. Assim a margem de segurança consiste numa combinação de uma ação subvalorizada e a tendência de dividendos expandir geometricamente.

Growth stocks exigem projeções conservadoras
Os procedimentos descritos acima se baseiam unicamente na análise de valores passados que são, por definição, conhecidos com bastante precisão. Isso os diferencia do caso de ações de crescimento (growth stocks). Aqui o investidor usa projeções de lucro futuro como base para sua decisão de comprar ou não. Embora Graham considera que esta abordagem em parte vai contra seu princípio da margem de segurança, ele admite que quando as projeções forem executadas com cuidado, e são conservadoras, podem também servir para calcular uma margem de segurança satisfatória.

Quando qualidade medíocre é investimento sólido
É quando ele tratar de ações subvalorizadas de companhias secundárias - as "verdadeiras pechinchas" - que o conceito de margem de segurança torna claríssimo. Por definição, é a diferença entre o preço da ação e seu valor estimado. Graham só recomenda a compra de papéis deste tipo quando o preço for equivalente a, no máximo, dois terços de seu valor estimado. Aqui, onde o investidor normalmente não terá grande entusiasmo pela companhia emissora do papel, a função da margem de segurança existe para absorver o efeito de cálculos errados ou de azar incomum. Mesmo se lucros declinam de forma moderada, uma margem adequada deveria assegurar um retorno satisfatório. Graham ressalta: um preço suficientemente baixo pode converter uma ação de qualidade medíocre em um investimento sólido. Mesmo assim ele chama a atenção ao fato que, num mercado em alta, o risco de pagar caro por uma ação da primeira linha e muito menor que pagar caro por uma ação da segunda linha.

Margem x diversificação
Em todas as situações consideradas há uma íntima relação entre a margem de segurança e a diversificação. A margem só garante que a chance do investidor ganhar é maior que a chance de perder. A chance de uma carteira apresentar lucro aumenta com o número de investimentos individuais, com a probabilidade agindo em seu favor, agregados.

Cálculo confiável + boa chance de lucro
Ben Graham resume sua posição sobre margem de segurança com as seguintes palavras: "Não execute uma operação, a não ser que um cálculo confiável mostre que há uma boa chance de um lucro razoável".

No Brasil o investidor tem margem favorável
Voltamos à questão da margem de segurança oferecida por ações ao investidor passivo no mercado brasileiro. Calculamos um preço/lucro de 6x, no máximo, para ações de companhias brasileiras da primeira linha atualmente. Assim, temos um lucro/preço, ou earnings yield de 1/6 = 16.7%. Mais problemático é identificar um juros de longo prazo para renda fixa da primeira linha. Consideramos inviável uma taxa muito acima de 10%. Nenhuma economia desenvolvida tem atualmente uma taxa acima de 5.3% para bônus do governo de 10 anos. A oficial Taxa de Longo Prazo no Brasil é atualmente 11.7%. Adotando isso podemos verificar que temos um diferença de 16.7% - 11.7% ou 5 pontos percentuais - uma margem de segurança idêntica ao exemplo fornecido por Graham.

Nos Estados Unidos não
Mais preocupante é a posição do mercado americano. Lá o preço/lucro supera 20x, dando um earnings yield de menos que 5%, enquanto os juros produzidos por um bônus do governo de 10 anos são 4.9%. Conclusão: não há margem de segurança nenhuma para o investidor passivo americano.
1/10/98

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