Investimento agressivo: um caminho heróico
|
O investidor agressivo não é especulador
O investidor agressivo de Benjamin Graham não tem nada a ver com o especulador. Quando, no seu trabalho mais conhecido, The Intelligent Investor, o pai do "investimento em valor" (value investment) se refere a uma operação de investimento, seja ela defensiva ou agressiva, ele tem em mente "uma transação que, após análise exaustiva, promete segurança do principal e um retorno adequado".
Mesmo assim, para Graham, o investidor agressivo difere muito do investidor passivo. Enquanto o primeiro pode obter um retorno bem razoável com pouco esforço e correndo um baixo risco, o investidor agressivo toma a decisão de empregar um esforço muito maior. De fato, ele opta por encarar suas operações de investimento como um negócio. Mas nesta tentativa de obter um resultado melhor que o médio,
ele não tem nenhuma garantia de sucesso. É um caminho heróico!
Mas não há nenhuma garantia de sucesso
Infelizmente, um temperamento pouco apropriado para investimento, a utilização de estratégias erradas, ou puro azar poderiam por tudo a perder. O risco é claramente evidenciado pelo fato que muitos fundos de ações, com dinheiro suficiente para contratar os melhores analistas do mercado, não têm conseguido resultados superiores ao índice.
Divisão entre ações e renda fixa
Vamos às recomendações do professor. Primeiro, como no caso do investidor defensivo, ele aconselha uma divisão dos fundos dirigidos a títulos mobiliários entre aplicações em renda fixa e em ações. São aplicáveis as mesmas regras: somente entre 25% e 75% da carteira deve ser constituída de ações, de acordo com as expectativas do investidor, com o saldo investido em renda fixa de primeira linha.
Momentum-trading é especulação; uso de fatores de curto prazo é inócuo
Em relação ao componente de ações, Graham rejeita de antemão duas estratégias comuns de investimento: a estratégia de seguir o mercado ("momentum-trading"), comprando quando o mercado avança e vendendo, para depois recomprar, quando o mercado retrocede; e a estratégia de curto prazo de comprar ações com base em resultados recentemente divulgados, ou esperados no futuro próximo. Ele considera que o
nível de risco da primeira caracteriza-a como especulação. A segunda ele acha inócua porque todo mundo provavelmente tem conhecimento dos mesmos dados.
Podemos mencionar aqui também seu aviso em relação à compra de novas emissões. Como estas operações normalmente têm um esforço especial de venda atrás delas, e são lançadas quando as condições de mercado são favoráveis, em geral não são recomendáveis.
Quatro operações oferecem alguma chance de sucesso
Para Graham, enquanto há muitas possíveis abordagens para um investidor agressivo, quatro tipos de operações têm oferecido, na experiência dele, alguma possibilidade de sucesso:
1) comprar quando o mercado está em baixa e vender quando está em alta ("market timing");
2) a compra de ações de firmas de alto crescimento ("growth stocks");
3) a compra de "pechinchas" ("bargain issues");
4) situações especiais.
No caso de market timing, porém, Graham considerou que tem sido impossível, nas últimas décadas, estabelecer critérios matemáticos para implementar esta estratégia consistentemente nos EUA: ela depende de um talento muito especial do investidor. No Brasil, então, seria necessário um vidente.
Os riscos de growth stocks
Sua crítica da compra de ações de alto crescimento é mais contundente. Na opinião dele é uma mera operação estatística identificar as companhias que, no passado, tem crescido mais rápido que a média. Em seguida, esta lista inicial pode servir como uma base para fazer uma seleção das ações que aparentemente apresentam as melhores perspectivas para o futuro.
No entanto, ele identifica três grandes riscos nesta estratégia. O primeiro vem do fato que as firmas que o mercado considera de grande potencial têm preços correspondentemente altos. Assim, mesmo que as previsões se realizassem, o investidor não teria um retorno grande.
O segundo risco sério é de que as previsões, que se projetam 10 ou mais anos no futuro, não se consumassem.
E o último risco relaciona-se à tendência dos preços de ações de firmas de alto crescimento de apresentar grandes oscilações. Essas observações são corroboradas pelo fato que, nos EUA, estudos sugerem que fundos especializados em growth stocks não tem conseguido resultados significativamente melhor que o índice.
No final, só as pechinchas
Mais promissoras, então, são as pechinchas e situações especiais. Entretanto, a segunda área, envolvendo a identificação de oportunidades de ganho muito específicas, é um campo que necessita de conhecimentos especializados. Nesta categoria Graham classifica operações de arbitragem que surgem, por exemplo, em função de aquisições, cisões e liquidações. Aqui, freqüentemente, se trata da tendência do
mercado de depreciar o valor das ações de firmas envolvidas em complicados processos legais. É por esta razão que, neste artigo, nos concentramos nas pechinchas.
Aqui Graham sugere dois possíveis alvos: grande firmas que estão fora de moda e verdadeiras pechinchas. Ele também propõe uma sistemática de aplicação geral que envolve o peneiramento do universo de ações utilizando diversos conjuntos de critérios.
|
Grande firmas fora da moda
É uma caraterística do mercado supervalorizar certas ações. Talvez porque tenham mostrado bom crescimento, talvez por outro motivo qualquer. Da mesma forma outras ações, devido a acontecimentos insatisfatórios de natureza temporária, trocam de mão a preços subvalorizados.
Aqui é vital concentrar a atenção em companhias maiores. O capital financeiro e humano de tais firmas oferecem proteção durante períodos de dificuldade e ajudam na recuperação da performance perdida. No caso de companhias secundárias, além de arriscar uma perda definitiva de lucratividade, há o risco que uma melhora não seja reconhecida pelo mercado por muito tempo.
Em experiências que demonstraram o sucesso desta estratégia em companhias da primeira linha, Graham supôs a compra de ações cujos indicadores preço/lucro estivessem entre seus mínimos para um período abrangendo o ano em curso e o ano anterior, e venda após até 5 anos.
Para evitar a inclusão de ações de grandes firmas cujos lucros são inerentemente voláteis, Graham recomenda esticar o período de pesquisa de indicadores preço/lucro mínimos além do ano anterior (5 anos?). Ele também questiona se não seria interessante adicionar outros critérios ao processo de seleção (ver Uma sistemática geral abaixo).
Verdadeiras pechinchas
Uma pechincha para Graham é uma ação que pode ser adquirida a talvez 50% de seu valor "intrínseco" estimado. Ele aplica dois testes. O primeiro envolve, essencialmente, um cálculo do valor de hoje dos lucros esperados no futuro. É fácil falar mas, embora não difícil, este cálculo se baseia em conceitos um pouco esotéricos. Em muitos casos, felizmente, existe um atalho simples (no futuro trataremos
em detalhe do procedimento). O segundo teste se concentra no valor da firma para seu controlador e dá mais atenção ao valor de venda dos ativos.
Como é que ações podem exibir preços tão baixos? Nos pontos mais baixos dos ciclos de mercado, explica Graham, uma porcentagem grande de ações, sob a definição adotada, são pechinchas. Mas, de fato, em função dos humores e caprichos dos investidores, se verifica a existência de pechinchas em qualquer época. O mercado freqüentemente exagera reveses temporários; e uma simples falta de interesse pode
reduzir preços para níveis absurdos.
Firmas avaliadas a menos que seu capital de giro
Infelizmente há muitos casos de empresas onde declínios em lucros, acompanhados por quedas nos preços de suas ações, não são seguidos automaticamente por uma recuperação. Para tentar limitar o risco de escolher tais casos, Graham estabeleceu critérios adicionais: idealmente a companhia-alvo deve ser grande e proeminente, e tanto o preço de suas ações, quanto seu indicador preço/lucro, devem ser be
m abaixo do seu nível passado.
O critério mais radical adotado por Graham foi de limitar seus investimentos, durante um longo período, a ações oferecidas a preços abaixo do ativo circulante líquido (o capital do giro) - após dedução da dívida total e outras obrigações prévias, e sem atribuir qualquer valor a imóveis, máquinas e equipamentos.
Finalmente, em se tratando de ações baratos, Graham enfatiza a importância de uma grande carteira diversificada para poder reduzir o nível de risco.
Uma sistemática geral
A discussão chega, naturalmente, à idéia de uma sistemática geral. Aqui, com o objetivo de identificar ações promissoras, o investidor peneira o universo de ações usando diversos conjuntos de filtros quantitativos. O exemplo utilizado por Graham demonstra a técnica. Fazendo uso de publicações especializadas contendo dados sobre ações americanas, ele escolheu papéis que preencheram os seguintes cri
térios:
- preço/lucro do ano anterior igual ou abaixo de 9;
- ativo circulante de pelo menos 1.5 vezes o passivo circulante;
- dívida de, no máximo, 1.1 vezes o ativo circulante (para firmas industriais);
- lucro contínuo durante os últimos 5 anos;
- um lucro do ano anterior maior que o lucro 5 anos atrás;
- preço da ação igual ou abaixo de 1.2 vezes o patrimônio líquido.
Na época (três décadas atrás), o procedimento produziu por volta de 150 ações no universo das ações americanas. Graham então propôs que o investidor use critérios mais pessoais para escolher 30 do total para investimento.
A importante aqui não é o conjunto específico de critérios escolhido mas a técnica de peneiramento empregada. Infelizmente, o pequeno investidor brasileiro não tem à sua disposição a riqueza de dados sobre ações que possui seu equivalente americano. Felizmente, o nosso sistema SANADA, além de ter uma base razoável de dados, se presta, com perfeição, à técnica proposta por Graham. Em Seleção Agressiva de Graham mostramos o resultado de um conjunto de critérios que tenta identificar ações subavaliadas no mercado brasileiro.
Os perigos de companhias de segunda linha
Sua larga experiência ensinou a Graham que ações de empresas da segunda linha têm uma tendência de estar relativamente supervalorizadas quando o mercado está em alta. Em fases de baixa, no entanto, a situação se inverte, e essas ações sofrem declínios maiores do que papéis de primeira linha. Pior, o tempo de recuperação também é maior. A conclusão aqui é que o investidor, quando procurar identific
ar oportunidades entre ações da segunda linha, deve estabelecer critérios mais rigorosos para suas filtragens.
O investidor agressivo no Brasil
Dado que o mercado brasileiro é muito mais volátil que o mercado americano, as oportunidades para descobrir verdadeiras pechinchas devem ser maiores.
É interessante observar que, ou contrário da experiência de Graham nos Estados Unidos, o índice Bovespa (composto de ações de primeira linha) têm mostrado uma clara tendência de cair mais que o mercado (composto, em grande parte, de ações da segunda e terceira linha) em períodos de baixa. Sem dúvida os estatais e ex-estatais tiveram um papel preponderante nisso. Um segundo fator que diferencia açõ
es da segunda linha no mercado local de sua situação nos Estados Unidos é o menor número de firmas listadas em bolsa. Isso talvez ajude a evitar o esquecimento deste tipo de papel aqui.
No entanto, quando procuramos oportunidades de investimento no instável mercado brasileiro, há um fator que sobrepõe todos as outras considerações. É o conceito que permeia todo o trabalho do Benjamin Graham: a margem de segurança. É o pano de fundo do presente artigo; no próximo - o último sobre o pai de análise de investimento - será o principal foco de atenção.
(1/9/98, revisada 10/2/00)
|