Investimento defensivo: retornos sem dor de cabeça

É fácil obter resultados acima da média
A estratégia proposta por Benjamin Graham em seu livro The Intelligent Investor (O Investidor Inteligente) para o investidor defensivo é tão aplicável hoje quanto foi há quase 30 anos. Dado à profunda influência de Graham sobre investimento em ações em geral - e sobre Warren Buffet em particular - é bom prestar atenção a seus conselhos.
A estratégia leva em conta uma observação chave: qualquer investidor em ações pode garantir um retorno igual ao mercado através de uma carteira que reflita a composição do índice Bovespa (que é, por definição, o mercado); no entanto, superar este retorno consistentemente é muito difícil. Ao longo dos anos a maioria dos fundos de ações não tem conseguido esta façanha. E note bem, superar o índice não significa obter lucro.

Investidores defensivos e agressivos: espécies muito diferentes
A observação deixa claro que há uma diferença muito grande entre um investidor defensivo e um investidor agressivo. O primeiro, despendendo relativamente pouco esforço, tomando decisões infreqüentes e correndo um mínimo de risco, pode obter um retorno razoável ao longo dos anos. O segundo, ao contrário, toma a decisão de devotar bastante tempo e trabalho à procura de ações que prometam um desempenho acima da média. E neste caminho de risco maior ele não tem nenhuma garantia de sucesso.

Uma estratégia para o pequeno investidor
O que foi que Graham propôs para o investidor defensivo nos Estados Unidos? Uma estratégia relativamente simples que qualquer pequeno investidor daquele país, com um pouco de pesquisa, pode seguir. No Brasil, embora a estratégia seja perfeitamente viável, o trabalho de obter os dados é, sem dúvida, maior. Aqui nosso banco de dados vai ajudar.
Observe que a estratégia formulada não se refere a todos os recursos à disposição do investidor, mas somente a parte que ele decide aplicar em valores mobiliários negociáveis (ações e renda fixa).

Critérios para estabelecer uma carteira defensiva
1.Mix de carteira. Uma carteira constituída de 50% em ações e 50% em renda fixa de primeira linha, com o reequilíbrio das proporções quando desviarem mais que 5% das posições iniciais. Uma versão menos conservadora é uma carteira onde cada percentagem varia entre 25% e 75% da carteira, de acordo com as expectativas do investidor.
2.Timing da compra. O uso da técnica "dollar-cost averaging" onde o aplicador investe valores iguais a intervalos regulares (de um mês, trimestre, semestre ou até ano).
3.Número de ações. Uma carteira diversificada de ações de entre 10 e 30 empresas.
4. Critérios para seleção das empresas.
a) Companhias proeminentes em seus setores;
b) Vendas anuais substanciais: acima de US$300 milhões;
c) Forte posição financeira:Forte posição financeira: liquidez corrente de pelo menos 2, e uma dívida de longo prazo menor do que o capital de giro;
d) Estabilidade de lucro: lucro contínuo durante 10 anos;
e) Longa história de pagamento de dividendos: pagamento contínuo durante 20 anos;
f) Crescimento de lucro: 33% em 10 anos usando as médias dos 3 anos no início e no fim do período;
g) Preço/lucro moderado: preço atual da ação, dividido pelo lucro médio dos últimos 3 anos, não deve execeder 15;
h) Preço/patrimônio moderado: não deve ultrapassar 150%.

Ações x renda fixa
Antes de tentar adaptar a estratégia às condições brasileiras, vamos entender as idéias e premissas atrás do esquema.
Como observamos acima, a estratégia de Graham se limita a ações e renda fixa, desconsiderando, por exemplo, investimentos em imóveis ou ouro. Ações representam um investimento no setor corporativo - o único motor de geração de riqueza da economia - e alguma proteção contra uma aceleração de inflação. Historicamente, o retorno produzido por ações nos Estados Unidos tem ultrapassado significativamente o da renda fixa.
O componente de renda fixa, por sua vez, representa um seguro contra quedas da bolsa (além de exibir flutuações menores, preços de títulos de renda fixa freqüentemente sobem quando ações caem) e uma fonte significativa de rendas em certas épocas. No Brasil a renda fixa de primeira linha é representada por fundos que se especializam em papéis do governo, ou cadernetas de poupança.

A pouca confiabilidade de previsões
A divisão 50/50 da versão mais conservadora do esquema reflete o fato de que a experiência de Graham, de uma vida de investimento, mostrou que projeções sobre o comportamento futuro do mercado possui pouca confiabilidade, e que é melhor dar peso igual às duas alternativas de aplicação.

A divisão menos conservadora dá ao investidor, dentro de certas limites, a flexibilidade de aumentar a proporção de ações até 75% quando ele considerar que os preços são extremamente baratos, e de diminuir esta proporção até 25% quando achar que os preços são perigosamente altos. Nos anos 70, no entanto, Graham acreditou que era cada vez mais difícil estabelecer regras para tais ajustamentos - e que sua implementação exigia muito controle emocional pelo investidor.

Minimizar o risco de perda; maximizar as chances de ganho
Com seus critérios para a escolha de empresas (tamanho, posição financeira e desempenho passado) Graham procurou limitar o risco de um desempenho abaixo do esperado - e melhorar as chances de recuperação se isso ocorresse. E com sua insistência na diversificação da carteira entre muitas companhias ele buscou limitar os estragos de um ou outro investimento que desse para trás. Os critérios estabelecidos para preço/lucro e preço/patrimônio, por outro lado, manifestam sua preocupação de ter uma margem de segurança embutidos no preço pago a fim de aumentar a chance de um retorno satisfatório.
Finalmente, "Dollar-cost averaging" é um simples procedimento para evitar grande compras a altos preços. Aqui, de novo, Graham tenta reduzir o risco advindo da imprevisibilidade do mercado.

Tem relevância para o Brasil?
Tem, mas como estamos abaixo do equador temos que "flexibilizar" um pouco os critérios. Em particular, temos que adaptar os critérios de liquidez e solvência devido ao impacto sobre as empresas brasileiras dos altos juros e das grandes flutuações no nível de atividade econômica nos últimos anos.
Aqui aproveitamos do fato que Graham, em outra parte de seu livro (que é um trabalho que foi revisado e atualizado pelo menos 5 vezes entre 1949 e 1971 e, por conseqüência, têm certas ambigüidades) estabelece como um indicador de solvência para uma carteira defensiva uma relação dívida/patrimônio líquido máximo de 100%.
Com juros brasileiros ainda nas alturas, adotamos um critério de solvência mais rígido: uma relação dívida líquida/patrimônio líquido de no máximo 40%. Em contrapartida, para não reduzir demais nosso leque de escolha, afrouxamos o critério de liquidez: consideramos aceitável um indicador de liquidez corrente de pelo menos 1,00.

Hoje poucas ações entram na Seleção Defensiva
Utilizando nosso sistema de análise, SANADA, elaboramos uma lista das empresas que satisfazem os critérios ajustados (ver tabela). Devido às limitações de dados, encurtamos o tempo de lucros contínuos para 6 anos (1993-1998) e admitimos empresas com crescimento de lucro de 25% neste período, considerando a média dos dois primeiros anos e os dois últimos anos do período.
A lista é simplesmente uma demonstração da aplicação das idéias do Graham e não constitui uma lista de recomendações de compra. Observa-se, no entanto, que devido aos altos preços atuais e aos efeitos sobre empresas dos recentes tumultos na economia, poucas ações preenchem os critérios definidos. Ao contrário de uns meses atrás a seleção obtida agora é insuficiente para montar uma carteira de 10 empresas diferentess.

Mix da carteira que é apropriado hoje
Se adotarmos a estratégia menos conservadora de 75/25, quais seriam as percentagens corretas para alguém que deseja estabelecer uma carteira hoje? O preço/patrimônio líquido médio do nosso universo de 160 papéis está na sua máxima dos últimos 7 anos, sugerindo um peso reduzidíssimo para ações. E embora os juros estejam teoricamente em queda, nossas projeções para os próximos dois anos indicam que o retorno oferecido por ações, após deduzir um prêmio de 5% para compensar seu maior risco, não apresenta nenhuma vantagem sobre a renda fixa. Nestas condições concluímos que 25% de ações e 75% em renda fixa de boa qualidade compõem um mix apropriado.

Porcentagem de dinheiro não altera mix ideal
Finalmente, é instrutivo comparar a estratégia de Graham com ganhos teóricos obtidos por diferentes mixes de ações, renda fixa e dinheiro ao longo dos últimos 70 anos nos Estados Unidos. Os dados, publicados em The Economist de 31/5/97, indicam que o máximo retorno é obtido com um mix de 75% de ações e 25% de renda fixa Mais interessante ainda, se o investidor mantem 50% ou 0% de seus recursos totais em dinheiro (ou outros instrumentos considerados sem risco), o mix ideal não muda.
5/11/98, revisada 28/12/99 (Próximo artigo)

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