Análise de Múltiplos
Alerta
Como sempre, alertamos que a Tabela de Dados - a materia prima desta seção - é sujeita a todo tipo de distorção, com destaque para os efeitos de inflação e variações cambiais. Aqui estamos mais interessados em tendências e ordens de grandeza do que números precisos. Para facilitar a comparação com o período anterior, usamos "dólares ajustados" para os anos a partir de 1999, fortemente impactados pela desvalorização. Não se deve atribuir importância excessiva à previsão de lucro para 2006, feita por computador.
Baixo patrimônio líquido distorce indicadores
Como outras grandes empresas de energia elétrica, o patrimônio líquido da AES Tietê tem diminuído na última década (incluindo aqui o tempo antes da cisão da Cesp). Aparentemente é resultado do alto endividamento e do baixo nível de lucro gerado e reinvestido.
No caso específico da AES Tietê há razão adicional: a redução no capital social decidida em 2000 quando parte da caixa, aparentemente considerada excessiva, foi devolvida aos acionistas. O patrimônio líquido baixo infla os indicadores retorno sobre o patrimônio líquido (RPL) e preço/patrimônio líquido. Os respectivos valores atuais - 102% e 874% - são obviamente distorcidos, tornando inúteis comparações com as médias do setor ou do mercado.
Forte melhora de rentabilidade
Verificamos também que o registro histórico do RPL é bastante volátil. Mas baixa, ou nenhuma, rentabilidade não deve ser surpresa imediatamente após a privatização em 1999, um período de provável reestruturação. E já sabemos dos problemas, comuns a outras empresas do setor, causados pelo racionamento de 2001 e 2002. Apesar da volatilidade não há dúvida da forte melhora do RPL ao longo do período mostrado na Tabela de Dados.
A volatilidade dos resultados dificulta a análise do preço/lucro antes de 2003. A partir desse ano a média do indicador (8,7x) é praticamente idêntica ao preço/lucro atual (8,6x).
Espaço reduzido para recuperação de lucro
Não há distorção nenhuma na margem líquida que supera a de todas as outras grandes geradoras. Embora essa característica seja positiva é também um possível sinal que o espaço para a recuperação de lucros está se estreitando.
Payout de 95% produz yield de dividendo de 10,5%
Finalmente temos o yield de dividendo de 10,5% que está entre os maiores de nossa base de dados. O alto yield se deve ao alto payout - que aproximou 95% em cada um dos últimos três anos. Infelizmente, como vimos na Análise dos Últimos Resultados, o pagamento de tanto dividendo parece relacionado, pelo menos em parte, ao baixo nível de investimento da empresa. Por outro lado a empresa está otimista que a política de dividendos pode ser mantida.
Cobertura de despesas financeiras tranqüila
O baixo patrimônio líquido também inviabiliza comparação com o endividamento da empresa. Como alternativa calculamos a cobertura de lucro pelas despesas financeiras. Ignorando as receitas financeiras encontramos 5,7x em 2005 e 2,3x em 2004, números absolutamente tranqüilos.
Já mencionamos a probabilidade da dívida líquida da empresa ser zerada em dois ou três anos.
Cálculo do Valor Intrínseco
Premissa para lucro base: R$ 612MM
Para começar com a definição de premissas queremos um lucro base para os meados de 2006. O lucro efetivo de 2005 foi R$ 556MM. Como não encontramos efeitos extraordinários de importância no cálculo é um bom ponto de partida. O lucro do primeiro trimestre de 2006, anualizado, é 10% acima do lucro de 2005. Como ainda haverá modesto reajustamento de tarifas e aumento em receitas financeiras vamos adotar este valor - R$ 612MM - como um lucro base razoavelmente conservador.
Payout cairá enquanto nova capacidade não gerar receita?
Grande incerteza cerca as premissas para payout e crescimento futuro. Já sabemos que não houve expansão de capacidade desde a privatização e que o crescimento de lucro se deve principalmente ao aumento de tarifas. E concluímos, após nosso contato com a empresa, que ainda não existe planos concretos de expansão.
Como não houve investimento em nova capacidade dá para entender como a empresa pode pagar um payout de cerca de 95%. Agora, o que acontecerá com o payout quando a empresa embarcar em um projeto de expansão no futuro? Apesar do otimismo da empresa é bem possível uma política de dividendos menos generosa.
Como a construção de nova capacidade é demorada é difícil imaginar crescimento significativo na geração de eletricidade durante os próximos 10 anos. Mesmo assim, havendo o início de nova construção durante esse período, como esperamos, há a possibilidade do payout cair enquanto a nova capacidade não gerar receita.
Crescimento de lucro movido a receitas financeiras
Existem outras fontes que podem impulsionar o lucro? Já vimos que houve fortíssimo crescimento de lucro desde 2000, movido principalmente aos aumentos tarifários - particularmente em função da conversão de contratos iniciais em contrato bilateral com a AES Eletropaulo.
Mas com o fim dos contratos iniciais não esperamos novos reajustes das tarifas além da inflação. Assim a principal fonte de crescimento do lucro secará.
Só que outra fonte de lucro agora tem se tornada importante: as receitas financeiras advindas da caixa crescente da empresa. A conta caixa e equivalentes cresceu de R$ 160M (controladora) no fim de 1999 a cerca de R$ 800M (consolidado) no fim de 2005. Se a variação positiva anual no saldo de caixa permanecer no nível de 2005 os juros adicionais, sozinhos, permitirão um crescimento de lucro de cerca de 3% aa ao longo da próxima década.
É possível que investimentos em nova capacidade absorverão parte da variação no saldo de caixa durante 3 a 5 dos próximos 10 anos, o prazo estimado de um novo projeto. Mas neste caso acreditamos que o lucro adicional gerado pela expansão de capacidade em talvez 15% compensará, mais à frente, a queda temporária nas receitas financeiras.
Note que aqui estamos considerando, sem muito base, que investimentos na manutenção de planta existente continuarão ao nível atual.
Margem de Segurança de 34-46%
Então nossas premissas para o cenário mais provável são crescimento de lucro real de 3% aa durante 10 anos aumentando para 4% a partir do décimo primeiro ano.
A primeira taxa reflete uma estimativa do crescimento de lucro movido a receitas financeiras, com uma eventual redução dessas receitas durante construção sendo compensada, mais a frente, pelo aumento em receitas promovido pela nova capacidade. A segunda taxa é uma estimativa do crescimento de demanda por energia elétrica esperado no futuro.
Como imaginamos o início de investimentos em nova capacidade antes do fim do período inicial, e sua continuação no período perpétuo a um nível suficiente para permitir crescimento de produção de 4% aa, definimos um payout de 75%.
Embora bem abaixo da média de 95% dos últimos dois anos a premissa para o payout continua alta. Nossa ousadia baseia-se em três fatores: a evidente capacidade da empresa em acumular caixa para financiar investimentos futuros; o fato que, como ainda não há planos de investimento, haverá mais tempo ainda para acumular caixa; a postura otimista da empresa.
Finalmente, usando como referência a NTN-B com vencimento mais próximo de 10 anos (15/5/15), de 9,5% aa, adotamos uma taxa de desconto de 10% aa.
Usando o Método de Fluxo de Caixa Descontado (Módelo Dividendo), as premissas produzem um valor intrínseco de R$ 77,00 por 1000 ações, 34% acima do preço de mercado atual. É uma Margem de Segurança bem razoável. Agora se baixarmos a taxa de desconto para 9,5% o valor intrínseco sobe para R$84,00 com a Margem atingindo o nível atraente de 46%.
Premissas e Resultados
A B
Taxa de Desconto: 10.0% 9.5%
Lucro Base (R$MM): 612 612
Taxa de Crescimento 10 anos: 3.0% 3.0%
Taxa de Crescimento Perpetua: 4.0% 4.0%
Payout: 75% 75%
Valor de Mercado da Empresa (R$MM): 5490 5490
Valor Intrinseco da Empresa (R$MM): 7377 8039
Preco Atual (R$): 57,60 57,60
Preco Justo (R$): 77,40 84,30
Margem de Seguranca: 34% 46%
Desconto: 26% 32%
A - Taxa de Desconto de 10% B - Taxa de Desconto de 9,5%
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Discussão
Faixa de possibilidades
De certa forma a AES Tietê é uma caixa preta. Embora tenhamos 7 anos de dados históricos dois fatores dificultam o uso desse período como base para fazer previsões. Primeiro, mesmo que o período seja de recuperação de rentabilidade, não temos um patamar estável de resultados. Segundo, a situação de crescimento zero e dividendos altíssimos não vai continuar eternamente, e não temos idéia clara do que como evoluirá.
Sem informações adicionais dá para chegar a uma conclusão? É interessante observar que se supusermos uma situação de praticamente nenhum investimento em nova capacidade, isto é, crescimento de lucro durante uma década de 3% aa, caindo para 2% aa em seguida (devido à provável queda na taxa de juros) e payout de 90%, chegamos praticamente ao mesmo valor intrínesco do cenário considerado o mais provável na seção anterior.
Como os dois cenários são, de certa forma, os limites da faixa de possibilidades podemos concluir que qualquer combinação de premissas dentro dessa faixa produzirá uma boa Margem de Segurança.
Riscos
Quais são os riscos? Há os riscos característicos do setor como risco regulamentário e risco de racionamento. Há também riscos diretamente relacionados com a empresa. A atratividade da empresa nos próximos anos depende de seu poder de gerar caixa e aplicá-la bem, ou no mercado financeiro a juros atraentes ou em investimentos rentáveis, revertendo os resultados em dividendos generosos.
Por um lado, uma forte queda de juros é improvável. Por outro, a grande experiência da AES Corporation no setor sugere que qualquer novo projeto será bem conduzido.
O principal risco é a empresa mudar sua política de um alto payout. Dado a forte geração de caixa livre não acreditamos que haja qualquer possibilidade de uma mudança enquanto a empresa não começar a construção de nova capacidade - e por enquanto não há nenhum sinal disso no horizonte.
Essa demora em investir em nova capacidade, aliada à forte geração de caixa, significa que a empresa iniciará um novo projeto com bastante capital em caixa, reduzindo a necessidade - e o risco - de diminuir o payout dos dividendos.
Perigo do controle distante
O fato do acionista controlador ter tirado o máximo de capital da AES Tietê nos últimos anos, tanto em forma de dividendos, quanto em forma de redução de capital, suscita um último comentário, mais geral.
No caso de uma empresa que faz parte de um grande grupo há sempre o risco da alocação do lucro ser determinada, não pelos interesses específicos da empresa e seus acionistas minoritários, mas pelos interesses do grupo e seus acionistas controladores. Não temos indício, além da vultosa retirada de fundos da empresa, que este tenha sido o comportamento do grupo controlador da AES Tietê.
Conclusões e Recomendação
Desde sua privatização em 1999 os resultados da AES Tietê, embora voláteis, têm apresentado trajetória de forte melhora. A grande parte da geração de caixa, apesar do compromisso assumido pela empresa de expandir sua capacidade de geração por 15% em 8 anos, tem sido canalizada à acumulação de caixa e ao pagamento de dividendos - com parte do capital social sendo devolvido aos acionistas.
A empresa explica que tem sido impossível cumprir a obrigação assumida devido à inexistência de projetos de geração de energia em São Paulo livre de embaraços. A administração agora aguarda uma definição a respeito por parte do Governo de São Paulo. Uma possível solução é uma mudança no contrato de concessão que permita investimento em projetos fora do estado.
Não temos clara definição de dois fatores cruciais para estimar o valor intrínseco da empresa: a taxa de expansão da produção de energia nos próximos anos, e o payout futuro de dividendos.
Mesmo assim dois cenários opostos - um priorizando dividendos, outro a expansão da capacidade de geração - produzem um valor intrínseco de pouco mais de R$ 77,00 por 1000 ações, 34% acima do valor atual de mercado. Uma Margem de Segurança desse nível começa a tornar interessante a aquisição das ações da empresa.
Nossa taxa de desconto é 0,5 pp acima da taxa real de juros de longo prazo neste momento. Se eliminarmos a folga, o valor intrínseco sobe para R$ 84,00, com a Margem de Segurança alcançando 46% - um nível atraente.
Considerando uma Margem entre 34% e 46% recomendamos a compra da ação, com um horizonte de longo prazo (1-3 anos), para uma carteira diversificada.
O risco principal é a redução da geração do saldo de caixa em função do financiamento da construção de nova capacidade. Nesse caso avaliamos que os benefícios do novo ativo compensará, mais à frente, os dividendos e receitas financeiras perdidas. De fato, a empresa está otimista de que a atual política de dividendos pode ser mantida - e não há no horizonte qualquer sinal de um novo projeto.
Nota Importante: De acordo com nossa política de transparência, informamos que o responsável por Ação&Reação mantém uma posição nas ações da AES Tiete.
AES Tiete - parte 1
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